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HISTÓRIA
É relançado livro sobre a revolta de negros muçulmanos em 1835
"Aventura" dos malês pôs tráfico em xeque
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi preciso uma intervenção de
Alá para que a história da escravidão e da resistência dos escravos
africanos no Brasil pudesse ser
melhor contada.
Em "A Rebelião Escrava no Brasil", agora relançado (em versão
ampliada e revista) pela Companhia das Letras, o historiador João
José Reis faz a crônica de uma revolta delatada: o levante dos malês -como eram conhecidos os
escravos muçulmanos no país -
em 1835, na Bahia.
No dia 25 de janeiro, um grupo
de escravos nascidos na África,
em sua maioria seguidores do Corão, combateu soldados da Guarda Nacional, em Salvador, que defendiam símbolos do poder na cidade visados pelos revoltosos, como a Câmara Municipal, em cujo
subsolo ficava a cadeia da cidade.
Não se tratava de simples revolta. "A cidade mergulhara no ritmo de uma grande aventura de
luta pelo poder", afirma Reis.
Para melhor situar o levante, ele
analisa um período único de revoltas escravas no país, durante a
primeira metade do século 19,
mostrando as condições necessárias para que elas ocorressem e o
que precipitou o seu fim. Como
consequência, o próprio modo
como se organizava a escravidão
se torna melhor conhecido.
Os revoltosos foram derrotados, e o islamismo "mergulhou na
clandestinidade". O fato de terem
sido delatados antes mesmo do
início do levante talvez tenha contribuído para isso. Guilhermina
Rosa de Souza, africana liberta,
contou a seu antigo senhor o que
estava sendo preparado.
Sua prova de lealdade ao ex-senhor bem como o fato de a maioria dos revoltosos serem africanos
-e não escravos nascidos no
Brasil, os crioulos- não eram detalhes gratuitos da história.
Há uma ligação estreita entre
revoltas e tráfico de escravos, defende Reis. Isso mantém a importância do islamismo como fator
ideológico crucial para o levante,
mas aponta para um movimento
em que as razões étnicas e sociais
têm tanto peso quanto a religião.
"Entre 1821 e 1825, a Bahia importou 23.700 escravos, o menor
volume durante um quinquênio
desde 1801. Pois nesses anos aconteceram apenas duas revoltas [...].
Nos cinco anos seguintes, a Bahia
importou o dobro, 47.900 escravos, e não se passou um ano sem
que fosse registrado pelo menos
um levante", afirma.
Os africanos, defende o autor,
mais do que os crioulos, estavam
propensos a revoltar-se coletivamente contra a escravidão.
"Os afro-brasileiros haviam
nascido e se socializado na escravidão e, portanto, ao contrário
dos africanos, não tinham um
ponto de referência (e radical
contradição) fora dessa experiência." No caso dos malês, tratavam-se de guerreiros aprisionados e vendidos por Estados africanos aos traficantes brasileiros.
Ademais, por seguirem a fé muçulmana, sabiam ler e escrever, o
que facilitava sua organização.
Além disso, o fato de quase não
haver mulheres entre os africanos
contribuía para as diversas formas de rebelião, diferente do "setor brasileiro" da população escrava, que se casava com mais facilidade. "A família é predominantemente um fator de integração social ou, no máximo, ruptura pacífica, como a fuga", escreve.
A efervescência de revoltas escravas na primeira metade do século 19 foi ajudada pela instabilidade política vivida no país da independência à coroação de d. Pedro 2º -que dividia os brancos e
fragilizava o controle aos cativos.
Após o declínio do tráfico e sua
extinção em 1850, prevaleceria
"um percurso mais calmo" na resistência escrava. Paradoxalmente, é esse mesmo fim do tráfico
que porá a escravidão com dias
contados, já que a renovação de
cativos ficava interditada. Mas isso é assunto de outros autores.
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