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ANÁLISE
Ator encarnou face vingativa do individualismo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Charles Bronson terá sido,
no século 20, talvez a mais
perfeita expressão de certo espírito pequeno-burguês: individualista, rancoroso, vingativo. Assim
era Paul Kersey, o personagem de
"Desejo de Matar" -alguém incapaz de observar o mundo a não
ser de um prisma estritamente
pessoal.
Tendo, neste primeiro filme, de
1974, sua mulher atacada e morta
por uma gangue (sua filha foi violentada na mesma ocasião), Kersey só pensa em vingar o ocorrido. Até 1994, outras quatro vezes
esse desejo de vingança incontido
será suscitado, em mais quatro sequências.
Essa série, que muito impropriamente costuma-se comparar
ao "Perseguidor Implacável" criado por Clint Eastwood num filme
de Don Siegel, tem por centro real
a mesquinhez do personagem de
Bronson. E Bronson tinha o semblante perfeito, na verdade, para o
papel: em cena, parecia incapaz
de pensar; se pensava, soava falso.
Possivelmente isso não tem nada a ver com a vida pessoal desse
filho de mineiros, nascido em
1920, com o sobrenome Buchinsky, que após a Segunda
Guerra Mundial decidiu tornar-se
artista e apenas em 1951 conseguiu seu primeiro papel.
Foram mais ou menos 20 anos
como coadjuvante, fazendo em
geral tipos vilanescos -índios,
mestiços, eslavos-, por vezes em
filmes notáveis, como "Sete Homens e um Destino" (1960), de
John Sturges, ou em todo caso
bem-sucedidos, como "Os Doze
Condenados".
O certo é que Charles estava
longe de ser um ator de destaque,
e se cresceu no final dos anos 60,
foi em grande parte graças a filmes europeus importantes que
estrelou (ou quase isso), como
"Era uma Vez no Oeste" (1968),
de Sergio Leone, ou "Cidade Violenta" (1971), de Sergio Sollima.
Eles abriram caminho para o
personagem de "Desejo de Matar", que matou, entre outros, a
possibilidade de o ator desenvolver algum senso de humor (que,
porém, insinua-se em seu rosto),
mas garantiu-lhe o prolongado
estrelato e a possibilidade que, enfim, nenhum ator pode recusar:
um tipo que se ama ou detesta,
mas que ninguém esquece.
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