São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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GASTRONOMIA

França luta para se adaptar ao novo mundo do vinho

ANTHONY ROSE
DO "INDEPENDENT"

Os produtores de vinho franceses estão em crise, e a safra recorde que estão prontos a colher não vai ajudar. Mesmo em um período de abundância, todas as regiões vinícolas estão repletas de placas de "vende-se", e o desânimo é tão visível que qualquer artista depressivo encontraria rica inspiração.
Por quê? Em um mercado mundial ferozmente competitivo, tornou-se cada vez mais difícil para a França vender seus vinhos. As regras do sistema de denominação de origem controlada, normas pouco amistosas de rotulação, preços historicamente altos e vinhos cujo apelo é passadista conspiram contra os vitivinicultores franceses. Não importa o passado revolucionário da França, o que é preciso agora é uma mudança radical nos regulamentos conservadores e pouco competitivos que regem o setor vinícola.
A burocracia é tão forte quanto o sabor do vinho. As rígidas e antiquadas regras de denominação de origem sufocam a criatividade e estrangulam os produtores a quem o sistema foi criado para proteger. Com suas variedades de uvas e marcas reconhecíveis, o novo mundo conseguiu eclipsar as autênticas virtudes do charme e da tradição franceses.
Você consegue distinguir o seu Faugères do seu Corbières? "Não adianta vender vinhos classificados por denominação de origem", diz Gavin Crisfield, vinicultor inglês em La Sauvageonne, no Languedoc, "porque ninguém sabe o que são ou a que região as denominações se referem".
Trata-se de um problema agravado pela Lei Evin, que restringe a publicidade de vinho. Não importa que os outdoors franceses estejam todos ocupados por lindas mulheres tentando vender de hidratantes a salsichas: associações publicitárias entre o consumo de vinho e o sexo não são permitidas, e campanhas publicitárias para os vinhos Bordeaux e Borgonha violaram a lei e foram proibidas.
À medida que a competição do restante do mundo e o excesso de produção francês derrubam os preços, se torna mais e mais difícil para os vinicultores da França manter as contas em dia. Para Frantz Vènes, produtor da região de Minervois, "a produção do vinho minervois custa 5.000 por hectare, mas o mercado vinícola só paga 3.000 para quem vende vinho genérico. A menos que o produtor disponha de uma marca relativamente conhecida, é melhor jogar fora a chave da adega". Vender o vinho engarrafado, e não em grandes quantidades, só é opção para o mercado de exportação. E sem marcas conhecidas, a França está perdendo terreno.
Excetuado o champanhe, suas exportações de vinho caíram 9% até agora este ano. A região de Bordeaux foi uma das mais prejudicadas, com as exportações de todas as marcas exceto as mais prestigiosas caindo em quase 12% até agora. A situação é tão desfavorável que o governo francês está oferecendo subsídios para a eliminação de vinhedos, com o objetivo de reduzir o excesso de produção e também para fins de promoção e marketing. Mas o excesso de vinho caro e de qualidade medíocre não é o único problema.
A proposta mais radical do governo é permitir que as regiões de Bordeaux e Borgonha produzam "vins de pays" (vinhos do campo). Atualmente, os vinhos Bordeaux e Borgonha só podem conter em seu rótulo a expressão denominação de origem controlada, enquanto os vins de pays podem incluir informações sobre a variedade de uva usada. Bordeaux e a Borgonha teriam de abandonar o sistema de denominação de origem em troca da identificação de variedades de uva, um sistema de rotulação que facilita o marketing. Outras restrições que se aplicam aos vinhos de denominação de origem, como a proibição do uso de lascas de madeira para acrescentar sabor e a proibição de irrigação nos vinhedos, práticas comuns no novo mundo, também podem ser suspensas.
Será que isso ajudará a deter a decadência? O governo francês é burocrático e lento, e o relaxamento das restrições pode chegar tarde demais para os combalidos produtores. O futuro depende de uma nova geração de vinicultores, com atitudes mais combativas.


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