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Carlos Lyra faz balanço da bossa nova, tema do documentário "Coisa Mais Linda"
Questão de CLASSE
Divulgação
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O músico Carlos Lyra, no documentário "Coisa Mais Linda" |
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A bossa nova não é uma música
de geração, mas de classe social; o
povo não pode entendê-la, porque não tem ilustração; comunismo é "sabonete Phebo e uísque
importado" para todos.
São idéias de Carlos Lyra, 70,
nome fundamental na bossa nova
e no documentário "Coisa Mais
Linda", de Paulo Thiago, que estréia hoje. A seguir, Lyra em outras palavras.
Folha - Qual é o equivalente da
bossa nova no cenário atual?
Carlos Lyra - Hoje não há expressão nenhuma na cultura brasileira. Desde o golpe militar de 1964,
temos tido uma economia mais
ou menos e uma política que é um
lixo, uma seqüência de corrupção. Nesse ambiente, a cultura
não encontra espaço.
Hoje, a universidade ensina tecnologia, não conhecimento universal. Até já tiraram o inglês do
Itamaraty [o idioma deixou de ser
eliminatório no teste de ingresso à
carreira diplomática]. Nosso presidente se vangloria de não haver
estudado. Que belo exemplo!
Folha - O sr. tem um livro inédito
sobre as circunstâncias socioeconômicas que resultaram na bossa
nova. No entanto, este é um aspecto apenas lateral no documentário.
Lyra - Tenho muito mais comentários a fazer do que era possível incluir no filme. No governo
JK [1956-61], houve grande élan
econômico, que gerou tranqüilidade política e efervescência cultural. Mas a bossa nova não é música de geração. É de classe social.
Música feita pela classe média da
zona Sul do Rio, enquanto era capital. Depois que tiraram a capital
de lá, nada mais se fez que valesse
a pena, com as honrosas exceções.
Folha - Não vê o hip hop como expressão cultural que traduz o país?
Lyra - Hip hop é manifestação da
periferia. Não há como ter cultura
no caos que vivemos. A classe média está tão amarrotada que nós,
bossa-novistas, temos mais sucesso no Japão e na Europa.
O povo não pode entender a
bossa nova, porque ela foi à universidade. Eu gostaria que o povo
pudesse consumir a bossa nova.
Minha idéia de comunismo não
é macacão e marmita. É sabonete
Phebo e uísque importado para
todos. Segundo li em Marx, bens
de consumo são para consumir.
Dizem que a bossa nova é elitista.
Chegam ao cúmulo de dizer que
cultura é elitismo. Aí você cai no
Lula, nisso de que, para ser popular, tem de ser analfabeto.
Folha - O sr. parece ter uma visão
desesperançada do Brasil.
Lyra - Não. Acho que a faxina
pode ser boa para o Brasil, se expulsarem os gatunos do Planalto.
Fomos idiotas da última vez que
votamos. Votamos mal pra burro.
Mas o cardápio nunca é satisfatório. Temos o ruim e o menos pior.
A esperança é a última que morre. Mas temos de ser realistas. Eu
nunca acreditei que o PT no poder ia ser a solução. [A atriz] Regina Duarte também não.
Folha - Ela disse ter medo.
Lyra - É. Foi um depoimento
meio terrorista, mas ela disse o
que pensava. Ela disse o que eu
pensava. E vieram todas as patrulhas ideológicas em cima.
Folha - Como vê o tropicalista Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Lyra - É uma figura simbólica.
Um artista, não um político. Não
queria estar na pele dele. Eu o conheço e sei que é absolutamente
íntegro. Mas pode ser confundido
com os bandidos de Brasília.
Aceitou o desafio. Está fazendo o
que pode. Mas está amarrado.
Não dão dinheiro para ele. Como
fazer ação cultural sem dinheiro?
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