São Paulo, Quinta-feira, 02 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA
"Caligari" digital é exibido com nova trilha

LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas


Nunca é demais falar de novo de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919, dirigido por Robert Wiene). O grande marco do cinema expressionista, que tanto surpreendeu espectadores do mundo todo, desde sua estréia na Alemanha em 1920, preserva ainda sua capacidade de impacto, sobretudo com as novas soluções técnicas que vêm sendo aplicadas para que as imagens atuais se aproximem o máximo possível do original de 80 anos atrás.
Desta vez, as novidades são três: o lançamento do filme em DVD; a copiagem a partir de um original restaurado com as cores originais; e uma trilha musical especialmente composta para essa edição.
O vídeo digital, embora ainda inferior à película cinematográfica, traz inúmeras vantagens com relação à fita de vídeo. A imagem tem melhor definição, mesmo quando projetada em telão -como é o caso deste "Caligari", a ser exibido no Instituto Goethe e no MIS. E o formato de disco compacto possibilita a consulta de informações chamadas de "extras".
Graças ao trabalho sério que Eduardo Beu vem desenvolvendo dentro da distribuidora Continental, a presente cópia é acompanhada de interessantes "extras", que buscam dar conta da história do filme e da filosofia que o embasa. E contém ainda um trailer de "Genuine", outro filme de Wiene feito no mesmo estilo de "Caligari".
Foi criteriosa igualmente a escolha da matriz a ser copiada, muito superior à usada para a cópia de vídeo lançada anos atrás pela mesma Continental. Trata-se de uma versão americana restaurada, contendo as viragens originais, ou seja, os banhos de cor a que os filmes silenciosos -que muitos acreditam ser em branco e preto- eram submetidos. No caso de "Caligari", as cores são sépia, verde e azul, dependendo da atmosfera desejada para a cena. Também os letreiros em caligrafia angulosa e irregular, ao estilo expressionista, foram mantidos, com delicada sobreposição das legendas em português.
A música acrescentada, porém, não passa sem algumas observações críticas. O compositor Paulo Beto, especialista em acompanhar filmes silenciosos, parece ter dedicado largo tempo para compreender "Caligari" a seu modo, usando de boa vontade, mas cometendo equívocos. O primeiro deles foi acreditar que "a intenção dramática original do filme" havia "se perdido com o tempo" (como diz num dos "extras").
Desacreditou assim a força das imagens de "Caligari", com seus cenários cheios de escadas, superfícies inclinadas, objetos antropomórficos, rodas girando, olhos arregalados que são a visualização perfeita do universo desequilibrado e assustador dos expressionistas, sempre imitado e nunca igualado nem mesmo pelo próprio diretor Wiene.
A música, em lugar de dar realce às imagens, tromba com elas, impondo de maneira incômoda sua própria concepção do horror. Há um abuso de instrumentos e efeitos eletrônicos, que tendem ao "new age" mais que ao expressionismo.
É, de fato, engano achar que a hoje tão comentada modernidade de "Caligari" o aproximaria das novas tecnologias. O próprio nome italiano Dr. Caligari é, no filme, extraído pelo cientista louco de compêndios medievais, que trazem a receita de como utilizar a inércia de um sonâmbulo a seu bel-prazer. Transformar o inocente Cesare num assassino é o modo encontrado por Caligari de expressar seu lado obscuro, irracional, o lado que os expressionistas acreditavam presente em todos os homens, mas escondido pela capa da civilização.
Equívoco ainda mais grave foi dar excessivo crédito à idéia desenvolvida por Siegfried Kracauer -fascinante, mas já tornada um chavão- de que Caligari seria o prenúncio de Hitler e colocar em seus lábios sons distorcidos de discursos do próprio ditador.
"Caligari não é Hitler", costumava protestar a grande historiadora do cinema alemão Lotte Eisner, que temia o reducionismo das interpretações sociológicas da arte. De qualquer maneira, afora o procedimento há muito condenado de colocar sons nos lábios de personagens de filmes silenciosos, toda obra de arte tem de ser capaz de transmitir por si mesma seus vários sentidos.
No caso de "Caligari", o espectador interessado em mais didatismo deve se remeter aos "extras" e, ao contrário do que recomenda o compositor, baixar um pouco o volume da música.


Avaliação:     


Filme: O Gabinete do Dr. Caligari
Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974, Pinheiros, tel. 0/xx/ 11/280-4288) e MIS (av. Europa, 158, Jardim Europa, tel. 0/ xx/11/282-6284)
Quando: hoje, às 20h30, no Instituto Goethe; dias 3, 4 e 5, às 20h, no MIS
Quanto: grátis


Texto Anterior: MPB: Gal, ou "Gracinha", grava Jobim ao vivo
Próximo Texto: "Bond, James Bond": Novo 007 estréia em dezembro
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.