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CINEMA
"Caligari" digital é exibido com nova trilha
LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas
Nunca é demais falar de novo de
"O Gabinete do Dr. Caligari"
(1919, dirigido por Robert Wiene). O grande marco do cinema
expressionista, que tanto surpreendeu espectadores do mundo todo, desde sua estréia na Alemanha em 1920, preserva ainda
sua capacidade de impacto, sobretudo com as novas soluções
técnicas que vêm sendo aplicadas
para que as imagens atuais se
aproximem o máximo possível
do original de 80 anos atrás.
Desta vez, as novidades são três:
o lançamento do filme em DVD; a
copiagem a partir de um original
restaurado com as cores originais;
e uma trilha musical especialmente composta para essa edição.
O vídeo digital, embora ainda
inferior à película cinematográfica, traz inúmeras vantagens com
relação à fita de vídeo. A imagem
tem melhor definição, mesmo
quando projetada em telão -como é o caso deste "Caligari", a ser
exibido no Instituto Goethe e no
MIS. E o formato de disco compacto possibilita a consulta de informações chamadas de "extras".
Graças ao trabalho sério que
Eduardo Beu vem desenvolvendo
dentro da distribuidora Continental, a presente cópia é acompanhada de interessantes "extras", que buscam dar conta da
história do filme e da filosofia que
o embasa. E contém ainda um
trailer de "Genuine", outro filme
de Wiene feito no mesmo estilo
de "Caligari".
Foi criteriosa igualmente a escolha da matriz a ser copiada, muito
superior à usada para a cópia de
vídeo lançada anos atrás pela
mesma Continental. Trata-se de
uma versão americana restaurada, contendo as viragens originais, ou seja, os banhos de cor a
que os filmes silenciosos -que
muitos acreditam ser em branco e
preto- eram submetidos. No caso de "Caligari", as cores são sépia, verde e azul, dependendo da
atmosfera desejada para a cena.
Também os letreiros em caligrafia
angulosa e irregular, ao estilo expressionista, foram mantidos,
com delicada sobreposição das legendas em português.
A música acrescentada, porém,
não passa sem algumas observações críticas. O compositor Paulo
Beto, especialista em acompanhar
filmes silenciosos, parece ter dedicado largo tempo para compreender "Caligari" a seu modo,
usando de boa vontade, mas cometendo equívocos. O primeiro
deles foi acreditar que "a intenção
dramática original do filme" havia "se perdido com o tempo"
(como diz num dos "extras").
Desacreditou assim a força das
imagens de "Caligari", com seus
cenários cheios de escadas, superfícies inclinadas, objetos antropomórficos, rodas girando, olhos arregalados que são a visualização
perfeita do universo desequilibrado e assustador dos expressionistas, sempre imitado e nunca igualado nem mesmo pelo próprio diretor Wiene.
A música, em lugar de dar realce
às imagens, tromba com elas, impondo de maneira incômoda sua
própria concepção do horror. Há
um abuso de instrumentos e efeitos eletrônicos, que tendem ao
"new age" mais que ao expressionismo.
É, de fato, engano achar que a
hoje tão comentada modernidade
de "Caligari" o aproximaria das
novas tecnologias. O próprio nome italiano Dr. Caligari é, no filme, extraído pelo cientista louco
de compêndios medievais, que
trazem a receita de como utilizar a
inércia de um sonâmbulo a seu
bel-prazer. Transformar o inocente Cesare num assassino é o
modo encontrado por Caligari de
expressar seu lado obscuro, irracional, o lado que os expressionistas acreditavam presente em todos os homens, mas escondido
pela capa da civilização.
Equívoco ainda mais grave foi
dar excessivo crédito à idéia desenvolvida por Siegfried Kracauer
-fascinante, mas já tornada um
chavão- de que Caligari seria o
prenúncio de Hitler e colocar em
seus lábios sons distorcidos de
discursos do próprio ditador.
"Caligari não é Hitler", costumava protestar a grande historiadora do cinema alemão Lotte Eisner, que temia o reducionismo
das interpretações sociológicas da
arte. De qualquer maneira, afora
o procedimento há muito condenado de colocar sons nos lábios
de personagens de filmes silenciosos, toda obra de arte tem de ser
capaz de transmitir por si mesma
seus vários sentidos.
No caso de "Caligari", o espectador interessado em mais didatismo deve se remeter aos "extras" e, ao contrário do que recomenda o compositor, baixar um
pouco o volume da música.
Avaliação:
Filme: O Gabinete do Dr. Caligari
Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974,
Pinheiros, tel. 0/xx/ 11/280-4288) e MIS
(av. Europa, 158, Jardim Europa, tel. 0/
xx/11/282-6284)
Quando: hoje, às 20h30, no Instituto
Goethe; dias 3, 4 e 5, às 20h, no MIS
Quanto: grátis
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