São Paulo, quinta, 2 de outubro de 1997.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PILHAGEM NAZISTA
Posse das obras raras opõe marchand que ajudou a criar Masp e herdeiros de modelo de Marcel Proust
Manuscritos são disputados na Justiça

LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviado especial a Paris

A disputa de oito manuscritos medievais do século 15, avaliados em US$ 8 milhões, é o capítulo final de uma trama que envolve pilhagem nazista e opõe a família de marchands que formou o acervo inicial do Masp contra os herdeiros de um colecionador que serviu de modelo para Marcel Proust elaborar o seu Charles Swann (de "Em Busca do Tempo Perdido").
A história foi descoberta pelo jornalista Hector Feliciano (leia entrevista abaixo). Nos arquivos alemães, ele achou os inventários nazistas das coleções pilhadas. Da coleção de Alphonse Kahn -amigo de liceu de Proust-, estavam listadas 1.202 peças.
Ele soube que, com o fim da guerra, a Biblioteca Nacional, em Paris, recebeu oito manuscritos pertencentes a Kann, entre eles um de Jean de Carpetin, mestre de Dresden. A BN fez mostra em 1949 com manuscritos não reclamados.
Georges Wildenstein (um dos maiores marchands de então, principal aquisidor do Masp em sua fase inicial e, apesar de judeu, suspeito de ter negociado com os nazistas durante a guerra) reclamou os manuscritos. A BN os deu à família Wildenstein.
"Encontrei relatórios internos da BN que diziam que os manuscritos não eram os mesmos que haviam sido roubados de Wildenstein", diz Feliciano.
A família Kann soube do fato no fim de 96 e pediu a devolução dos manuscritos a Daniel Wildenstein (filho de Georges). Ele recusou.
Poucos meses depois, em Nova York, sem que a família Kann soubesse, Wildenstein tentou vender os manuscritos a um marchand inglês, Sam Fogg, que pediu a James Marrow, expert em iluminuras flamengas do século 15, uma análise das obras. Marrow viu uma inscrição em cada manuscrito. Era a forma como os alemães identificavam as obras pilhadas.
Marrow não sabia o significado da inscrição, nem do litígio com a família Kann, mas pediu a Wildenstein um certificado de propriedade ou de compra. Wildenstein não apresentou nenhum comprovante. Fogg pediu que Wildenstein colocasse no contrato uma cláusula de devolução do dinheiro caso houvesse litígio sobre a propriedade dos manuscritos. Wildenstein se recusou.
Marrow contatou um expert no mestre de Dresden na Alemanha, que encontrou nos arquivos nazistas o inventário da coleção Kann. Em seguida, Marrow contatou Francis Warin, herdeiro de Kann. A confusão estava armada.
Há dez dias, os advogados de Wildenstein e Warin se encontraram em Paris sem chegar a um acordo. Warin está contratando um advogado nos EUA para dar entrada no processo lá. Procurado pela Folha, Daniel Wildenstein não quis dar entrevista.
Para especialistas, como Feliciano, o caso levanta suspeitas sobre parte do acervo do Masp. O jornalista Fernando Morais, autor da biografia de Assis Chateaubriand, fundador do museu, também acredita que há fortes possibilidades de o museu ter em seu acervo obras pilhadas pelos nazistas.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.