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PILHAGEM NAZISTA
Posse das obras raras opõe marchand que ajudou a criar Masp e herdeiros de modelo de Marcel Proust
Manuscritos são disputados na Justiça
LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviado especial a Paris
A disputa de oito manuscritos
medievais do século 15, avaliados
em US$ 8 milhões, é o capítulo final de uma trama que envolve pilhagem nazista e opõe a família de
marchands que formou o acervo
inicial do Masp contra os herdeiros de um colecionador que serviu
de modelo para Marcel Proust elaborar o seu Charles Swann (de
"Em Busca do Tempo Perdido").
A história foi descoberta pelo
jornalista Hector Feliciano (leia
entrevista abaixo). Nos arquivos
alemães, ele achou os inventários
nazistas das coleções pilhadas. Da
coleção de Alphonse Kahn -amigo de liceu de Proust-, estavam
listadas 1.202 peças.
Ele soube que, com o fim da
guerra, a Biblioteca Nacional, em
Paris, recebeu oito manuscritos
pertencentes a Kann, entre eles um
de Jean de Carpetin, mestre de
Dresden. A BN fez mostra em 1949
com manuscritos não reclamados.
Georges Wildenstein (um dos
maiores marchands de então,
principal aquisidor do Masp em
sua fase inicial e, apesar de judeu,
suspeito de ter negociado com os
nazistas durante a guerra) reclamou os manuscritos. A BN os deu
à família Wildenstein.
"Encontrei relatórios internos
da BN que diziam que os manuscritos não eram os mesmos que
haviam sido roubados de Wildenstein", diz Feliciano.
A família Kann soube do fato no
fim de 96 e pediu a devolução dos
manuscritos a Daniel Wildenstein
(filho de Georges). Ele recusou.
Poucos meses depois, em Nova
York, sem que a família Kann soubesse, Wildenstein tentou vender
os manuscritos a um marchand inglês, Sam Fogg, que pediu a James
Marrow, expert em iluminuras flamengas do século 15, uma análise
das obras. Marrow viu uma inscrição em cada manuscrito. Era a forma como os alemães identificavam as obras pilhadas.
Marrow não sabia o significado
da inscrição, nem do litígio com a
família Kann, mas pediu a Wildenstein um certificado de propriedade ou de compra. Wildenstein não apresentou nenhum comprovante. Fogg pediu que Wildenstein colocasse no contrato
uma cláusula de devolução do dinheiro caso houvesse litígio sobre
a propriedade dos manuscritos.
Wildenstein se recusou.
Marrow contatou um expert no
mestre de Dresden na Alemanha,
que encontrou nos arquivos nazistas o inventário da coleção Kann.
Em seguida, Marrow contatou
Francis Warin, herdeiro de Kann.
A confusão estava armada.
Há dez dias, os advogados de
Wildenstein e Warin se encontraram em Paris sem chegar a um
acordo. Warin está contratando
um advogado nos EUA para dar
entrada no processo lá. Procurado
pela Folha, Daniel Wildenstein
não quis dar entrevista.
Para especialistas, como Feliciano, o caso levanta suspeitas sobre
parte do acervo do Masp. O jornalista Fernando Morais, autor da
biografia de Assis Chateaubriand,
fundador do museu, também
acredita que há fortes possibilidades de o museu ter em seu acervo
obras pilhadas pelos nazistas.
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