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Pilhagem nazista pode estar no Brasil
do enviado especial a Paris
Autor do livro "O Museu Desaparecido" (lançado na França e
nos EUA), o jornalista Hector Feliciano é um especialista em obras
de arte pilhadas pelos nazistas. Foi
ele quem descobriu que os manuscritos medievais postos à venda
por Daniel Wildenstein haviam sido roubados de Alphonse Kann
pelos nazistas durante a Segunda
Guerra. Leia abaixo trecho da entrevista concedida à Folha.
Folha - Como os nazistas negociavam as obras de arte pilhadas?
Hector Feliciano - Na França, as
obras eram confiscadas e levadas
para o Jeu de Paume (museu em
Paris), onde uma equipe de 60 pessoas (historiadores de arte, fotógrafos e experts) faziam uma seleção. As obras iam para a Alemanha
ou para coleções particulares de líderes nazistas (Hitler, por exemplo), quando atingiam seus gostos
pessoais, ou para museus alemães,
quando se enquadravam na estética nazista. O que não interessava
era posto à venda.
Folha - Que obra se encaixava na
estética nazi e qual era vendável?
Feliciano -Eles se interessavam
pela arte clássica, pelos mestres
antigos e, sobretudo, pelo que era
alemão ou de origem germânica,
como a arte austríaca, holandesa e
flamenga. Tudo o que era arte moderna, a grosso modo, o que havia
sido produzido após 1840/50 (impressionista, pós-impressionistas,
modernos etc.), não os interessava. Essas transações eram feitas no
mercado parisiense ou suíço.
Folha - Como elas funcionavam?
Feliciano - Marchands independentes, que trabalhavam com
os alemães no Jeu de Paume, selecionavam os quadros para negociar. Para a Suíça, os quadros eram
transportados na mala diplomática alemã. A Suíça era um país neutro que tinha muito dinheiro, pois
negociava com todo mundo na
época, tinha uma economia estável, um mercado real, com colecionadores, marchands e museus.
Folha - Qual a relação dos marchands com os nazistas?
Feliciano - A maior parte deles
era ligada ao nazismo, mas, antes
de tudo, eram comerciantes que
queriam negociar. Eles sabiam de
onde vinham essas obras, sabiam
que tinham sido confiscadas, que,
em muitos casos, pertenciam a vítimas que tinham sido mandadas
para campos de concentração.
Folha - Qual o papel dos países
aliados ou neutros nesse tráfico?
Feliciano - Durante a guerra
funcionava um comércio triangular. Muitas vezes, as obras eram
enviadas para Brasil ou Argentina,
onde ficavam algumas semanas e,
mais tarde, enviadas para os EUA.
Muita gente fechou os olhos na
América do Sul e do Norte.
Depois da guerra, muitos colecionadores americanos começaram a comprar, surgiram museus
novos, outros ampliaram sua coleções. O mercado de arte mudou de
Paris para Nova York, onde surgia
uma enorme demanda. A partir
dos anos 50, quadros escondidos
migraram para a América, com
uma suposta virgindade. Foi como
uma lavagem de dinheiro.
O absurdo é que ninguém pesquisou sobre a propriedade dos
quadros. Os vendedores, colecionadores, marchands, conservadores de museus se preocupavam em
saber se o Picasso era realmente
um Picasso. Nunca se preocuparam em saber de onde ele vinha.
Folha - O sr. acredita que existam
obras pilhadas pelos nazistas em
coleções ou museus brasileiros?
Feliciano - Achei obras pilhadas
expostas em museus e coleções
suíças, espanholas, alemãs e americanas. Elas estão espalhadas por
todos os lugares. Como Brasil e
Argentina se prestaram a esses comércios triangulares, pode ser que
haja coisas lá. Além disso, o Masp e
outros museus brasileiros foram
feitos após a guerra.
Folha - Como saber se um quadro foi confiscado pelos nazistas?
Feliciano - A maioria é de bons
quadros de pintores sobre os quais
há enorme literatura, monografias, catálogo raisonné, que podem
ter sua história de propriedade retraçada. Podemos saber que tal
quadro foi pintado por Picasso em
seu ateliê em 1912, comprado pelo
marchand tal, que o vendeu ao colecionador tal, que o revendeu a
outro colecionador.
Além disso, os alemães fizeram
inventários das 203 grandes coleções confiscadas na França, geralmente de judeus e maçons. Esses
inventários são bem detalhados.
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