São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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LITERATURA

"Spider", do autor inglês, ganhou versão cinematográfica que será exibida no Festival do Rio e na Mostra de SP

McGrath descortina universo manicomial

GUILHERME AQUINO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM MILÃO

O escritor Patrick McGrath disse uma vez a jornalistas que não ouvia música, não bebia e não fumava... Recentemente, ele explicou que isso só valia para quando estivesse escrevendo um livro.
A história é bem diferente depois do ponto final, contou o inglês radicado em Nova York. Filho de um psiquiatra, durante sua infância e adolescência McGrath teve como amigos e companheiros de partidas de xadrez os hóspedes do manicômio Boonmary, nos arredores de Londres.
A espinha dorsal de seus livros são os personagens sempre perturbados, descompensados, sem futuro, mas transitando entre o presente e o passado, a razão e a loucura, as perdas e os danos.
O escritor abre as portas dos manicômios para o grande público leitor em tramas onde a percepção do tempo e do espaço, da realidade e da imaginação se confundem. E é quase impossível passar impune pelas viagens que o autor propõe aos labirintos da mente.
Seus livros descortinam o véu que encobre relações perigosas que qualquer um de nós está sujeito a viver ou a sobreviver. McGrath brinca de ilusionismo com a mente do leitor, hipnotizando-o com teias de histórias bem tecidas e amarradas.
O romance "Spider" (1990) ganhou recentemente uma versão para o cinema pelas mãos do canadense David Cronenberg e do próprio McGrath, que assinou o roteiro. A produção traz Ralph Fiennes no papel de um esquizofrênico que depois de 20 anos internado num manicômio volta a morar no mesmo local onde passou a infância.
O filme será exibido no Festival do Rio BR 2002 e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 18.
Leia a seguir a entrevista que McGrath concedeu à Folha, em Milão.

Folha - Qual foi o ponto inicial para escrever "Spider"?
Patrick McGrath - Eu parti de uma trama na qual um homem mata a própria mulher e coloca em seu lugar a amante. Nesta história, eu decidi inserir o filho deste homem, que assume o papel de narrador. Spider é o apelido deste pré-adolescente que tenta colocar ordem no caos de recordações. Recordo a história de Spider e ele recorda sua história e suas lembranças desses eventos, que se apresentam falsos e verdadeiros.

Folha - O que há de semelhante no relacionamento entre o psiquiatra e seus clientes e o autor e seus personagens?
McGrath - Acho que existe essa necessidade de uma compreensão profunda da experiência dos outros. O psiquiatra utilizará esta compreensão para cuidar do seu cliente; por outro lado o escritor a utiliza para contar uma história.

Folha - Que surpresa ou descoberta o senhor fez ou vivenciou ao longo das pesquisas para dar vida a seus personagens?
McGrath - O melhor que eu descobri foi na frase de um livro de Artur Lang, psiquiatra e escritor escocês, que diz: "Um esquizofrênico é um homem que morre de sede num mundo cheio de água". E esta é a chave para entender meu personagem. Meu personagem é um tipo especial de esquizofrênico, que faz uma procura desesperada pelo calor humano, pelo contato humano, mas é incapaz de agarrar o que lhe é oferecido. Enfim, um personagem que morre porque não consegue estabelecer contato.

Folha - Alguns manicômios na Inglaterra foram fechados durante a década de 80. O que estava por trás desta medida do governo?
McGrath - A principal razão é econômica, mas isso não diminui o valor social agregado a essa iniciativa. É uma ótima oportunidade de aproximar mais a sociedade dos deficientes mentais, daqueles que são deixados à margem de tudo, sem escolha, numa condenação. E acho que o voluntariado é uma arma importante contra o tratamento dado aos deficientes.

Folha - Vistos de longe todos são normais... E de perto?
McGrath - (risos) Esta é uma frase muito interessante, tem muita sabedoria... Não, ninguém é normal se visto muito de perto.


SPIDER. Autor: Patrick McGrath. Lançamento: Companhia das Letras. Preço: R$ 31 (248 págs.).


SPIDER. Direção: David Cronenberg. Com: Ralph Fiennes. Onde: Festival do Rio BR.

Veja a programação completa em www.uol.com.br/folha/especial/2002/festivaldoriobr/



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