São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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"24 CONTOS DE F. SCOTT FITZGERALD"

Traduzido por Ruy Castro, compilação traz histórias que espelham a América

Em breves sonhos, autor faz crônicas da perda

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando o dono de um dos melhores textos do jornalismo brasileiro traduz os contos de um dos principais escritores da literatura americana, o resultado só pode ser um livro que dê muito prazer.
É o caso de "24 Contos de F. Scott Fitzgerald", traduzidos por Ruy Castro. Cada uma dessas pequenas histórias é um absoluto deleite. Se não fosse por outro motivo, pela possibilidade de apreciar a beleza do domínio sobre a língua.
Mas não que essa seja a sua única qualidade. F. Scott Fitzgerald está longe de ser um autor com preocupações filosóficas (como Ralph Ellison) ou de grandes proposições políticas (como John Steinbeck).
Ele foi simplesmente um cronista sagaz de um dos períodos mais ricos da história dos EUA, a chama Era do Jazz, epíteto cunhado pelo próprio Fitzgerald para designar os anos da Lei Seca, em que o país vivia os primórdios de sua condição de grande potência mundial e em que ali floresceu uma geração de intelectuais críticos, criativos e iconoclastas, com a mente em Paris e o coração na América.
E não é pouco. Graças aos seus relatos, nos é possível entender um pouco aquela geração, talvez a única comparável, no século 20, à dos anos 60 em termos de ousadia, transgressão e inventividade.
Quando alguém se depara com a qualidade literária desses contos, é incrível conceber que Fitzgerald os tenha desprezado como gênero artístico menor, que o afastava do romance, este sim, a seu ver, nobre.
Ele escrevia contos para saldar dívidas e manter, com sua querida mulher, Zelda, o estilo de vida grandiloqüente a que se habituara tanto na infância, proporcionado pelo pai, que depois fracassou economicamente, quanto na juventude, graças ao precoce sucesso do primeiro romance, "Este Lado do Paraíso", que o transformou em celebridade do circuito artístico de seu tempo.
Fitzgerald ganhava até US$ 4.000 por conto, pagos por revistas como "Saturday Evening Post", uma soma extraordinariamente alta para a época. É de supor que ele não dedicasse muito esforço nesse trabalho que desprezava, e é surpreendente como, apesar disso, ele possa ter tantas virtudes.
Ruy Castro selecionou 24 entre os 43 contos que apareceram na edição intitulada "Short Stories of F. Scott Fitzgerald: A New Collection", organizada por Matthew Bruccoli, professor da Universidade da Carolina do Sul, considerado a maior autoridade acadêmica na obra de Fitzgerald nos EUA (e também seu biógrafo e curador). No total, Fitzgerald publicou cerca de 160 contos.
Muitos deles, a maioria entre os 24 que Castro escolheu, como o tradutor realça em seu breve e preciso prefácio a essa edição, tratam da questão que provavelmente foi a mais dramática que o autor enfrentou: a perda (da juventude, da beleza e do dinheiro).
É o que descreve "O Amor à Noite", que Ruy Castro revela ser o seu preferido entre os 24, uma pequena obra-prima de delicadeza sobre o romance juvenil de um entediado mestiço da nobreza russa com a afluência americana que tudo perde com a revolução e a guerra e vive da fugaz lembrança de uma noite de primavera (quase verão) em Cannes.

Devoráveis
Mas também é o que se passa no (modestamente) meu preferido, "Um Belo Casal", em que o par perfeito da adolescência é desfeito primeiro pelas agruras da economia e da incompatibilidade de gênios e depois pelas da guerra.
Ou em "Babilônia Revisitada", a peça mais famosa do grupo, objeto de incontáveis teses de pós-graduação e que, segundo o autor, propaga o fim da gloriosa fase da década de 20 e anuncia o trágico período da Depressão, em que o bastão de cronista da América passaria de suas mãos para as de Steinbeck.
Os 24 contos de Fitzgerald são todos extraordinariamente gostosos, devoráveis em umas tantas poucas horas se possível, sonhos breves que algumas sociedades vivem de vez em quando e que, apesar de curtos, as transformam para melhor por muitos e muitos anos.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

24 Contos de F. Scott Fitzgerald
    
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradutor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36,50 (480 págs.)



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