São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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COMENTÁRIO

Suas lentes deram contorno à beleza e à atitude americana

EDER CHIODETTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Dono de um estilo personalíssimo, Richard Avedon foi o fotógrafo de moda e retratos mais marcante da metade do século passado. A beleza, a cultura e a atitude americana ganharam forma e contorno através de suas lentes e do fundo infinito branco de seu estúdio em Nova York.
A fotografia de moda, na qual o fotógrafo atua como um diretor de cena nos moldes do cinema, buscando relações estéticas entre a roupa, a modelo, o cenário e a atitude que denotam a época vivida, passou a existir pós-Avedon.
Com ele a fotografia de moda se tornou domínio do fotógrafo, muito mais que da modelo. O universo estético do estilista e da coleção passou a receber uma espécie de transcriação do conceito artístico ali embutido. Com argúcia, Avedon injetou subjetividade para conseguir, enfim, atribuir elegância e poesia onde antes havia uma expressão tímida e racional da indústria da moda. Suas fotos de moda hoje podem ser vistas como um documentário bem acabado sobre a feminilidade e a cultura do nosso tempo.
Filho do proprietário de uma loja de roupas da Quinta Avenida e de uma mãe vinda de uma família que tinha uma confecção, Avedon quando criança decorava as paredes do quarto com fotos de moda.
Mas, se a moda serviu para catapultar esse ser obsessivo por trabalho, muito magro, de cabelos desgrenhados e descendente de judeus russos ao apogeu, foram os retratos nos quais sua sensibilidade e técnica convergiam de forma apurada que fizeram o fotógrafo famoso ganhar lugar cativo na história da fotografia.
O fundo neutro, branco, do seu estúdio servia para não interferir na figura a ser fotografada. Muitas vezes Avedon fotografava sem olhar no visor da câmera. O olho estava no modelo à sua frente, do qual ele tentava extrair o máximo de expressividade. A composição, dessa forma, se dava muitas vezes por esse acaso provocado. Era sua forma de criticar um excesso de formalismo vigente e conseguir, de quebra, avançar na linguagem.
Certa vez, disse que o fundo branco de seu estúdio não era metáfora da ausência, mas sim uma remissão ao branco que ele viu nas imagens da explosão da bomba atômica de Hiroshima (1945).
Sobre a preferência de fotografar em estúdios, disse: "Ao isolar as pessoas de seu ambiente, elas se tornam símbolos de si mesmas. Muitas vezes tenho a sensação de que as pessoas vêm a mim para serem fotografadas, assim como procurariam um médico ou um vidente para saber como estão... E quando o trabalho do modelo termina -quando a foto está feita- nada resta senão a foto. A foto e um tipo de constrangimento. Elas vão embora e eu não as conheço. Tenho a sensação de não ter de fato estado lá. A parte de mim que esteve lá se encontra na foto. E as fotos têm, para mim, uma realidade que as pessoas não têm".
Ao dotar suas fotos de uma realidade que o tempo e as pessoas parecem não ter, Avedon tornou eterno não o glamour e a elegância do mundo aparente, mas sim a beleza do mundo contida na imprevisibilidade que ele encerra.


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