São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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CRÍTICA

"L Word" é guiada pelo olhar masculino

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

OK, visibilidade é fundamental e, nesse sentido, não há reparos a fazer em relação a "The L Word". A série, exibida no horário das 23h aos domingos no canal por assinatura Warner, flagra a subcultura lésbica norte-americana com alguma fidelidade, graça e, talvez mais importante, respeito. As questões da vida amorosa, os dramas da discriminação e do preconceito, as piadas, a linguagem, os personagens típicos: está tudo lá.
A jovem escritora Jenny muda-se para Los Angeles com o namorado e fica amiga de suas vizinhas, um casal estável e bem-sucedido de lésbicas em torno dos 30 anos que quer ter filhos. A partir da convivência com as vizinhas e seu círculo de amigas, Jenny questiona suas próprias escolhas amorosas e sexuais e descobre o mundo do homossexualismo feminino.
Aliás, a enorme competência da TV norte-americana para capturar e estilizar o modo de vida de um grupo social fica patente em "The L Word". Embora os rostos, corpos, cenários, roupas, situações sejam evidentemente mais vistosos e arrumados que na chamada "vida real", a capacidade de representar o universo das mulheres lésbicas urbanas, jovens e de classe média alta de forma verossímil é realmente surpreendente.
Esse é um primeiro problema da série, pois o que essa capacidade tem de competente, também tem de normatizadora, isto é, enquanto representa, acaba por construir um conjunto de regras a respeito de um estilo de vida. É assim em qualquer seriado que se pretenda "realista" e que se leve a sério, mas, no caso de "The L Word", por conter matéria mais transgressora, a normatização soa mais acachapante.
O segundo problema é que a visibilidade tem um preço que "The L Word" paga sem pestanejar: aparentemente em nome do "realismo", o seriado é povoado por cenas pornô-soft entre mulheres muito bonitas, o que, no fundo, constitui um apelo erótico poderoso para os homens. Em outras palavras, apesar de parecer o contrário, "The L Word" se guia pelo olhar masculino.
Mesmo que se possa pensar que há algo de ousado em mostrar cenas de intimidade entre mulheres, não se deve ter a ilusão de que a tolerância signifique exclusivamente um real avanço de espaço nos meios de comunicação para as questões da sexualidade ou um ambiente de fato mais democrático em relação às minorias. Sim, a possibilidade de admitir e incorporar a existência do homossexualismo é produto das lutas contra a discriminação, mas seria ingenuidade imaginar que é só por isso que hoje um seriado como "The L Word" esteja na TV.
Na verdade, é quase que o contrário: apesar dos inegáveis avanços em direção aos direitos e à não-discriminação, uma obra de ficção como "The L Word" ainda tem que acenar para o conservadorismo para poder ser vista.

biabramo.tv@uol.com.br

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