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24ª MOSTRA DE CINEMA DE SP
"PALAVRA E UTOPIA"
Manoel de Oliveira nos penitencia com sermões de seu padre Vieira
ESPECIAL PARA A FOLHA
Curiosamente, "Palavra e
Utopia" começa com uma
imagem fetiche de Bressane: uma
árvore vista de baixo para cima
-que já era genealógica quando
circulada pelos soldados de "Não
ou a Vã Glória de Mandar" (90),
em que Manoel de Oliveira olhava
as guerras colonialistas portuguesas sob o signo de Camões.
Camões pode ser o patrono,
mas o imperador da língua portuguesa, dizia Fernando Pessoa, é o
padre Antonio Vieira. Ele é a raiz
da árvore que se afigura tanto no
filme de Bressane ("Os Sermões")
quanto no de Oliveira. Os entroncamentos, porém, divergem.
Entre os dois Vieiras, há o
Atlântico. Princípio e fim do filme
de Bressane e meio maior do de
Oliveira, o mar de nossos mitos de
origem é uma imagem-mãe que a
cinematografia brasileira legou
do imaginário português.
O Vieira de Bressane é subversivo, reinventado pelo Brasil. É uma
fabulação criadora de nosso cinema forjada em nome de um país
que busca seus enunciados coletivos. Ele nos fala do presente e seu
púlpito está à nossa altura.
O Vieira de Oliveira nos fala de
cima. Seu discurso é algo aristotélico. Somos seus ouvintes passivos, penitentes oprimidos por
seus sermões. É a posição que Oliveira assumiu no debate após a
exibição de seu filme, ao declarar:
"A palavra de Vieira é superior a
tudo quanto eu possa dizer".
Antes de tudo, Oliveira procurou assegurar a fidelidade histórica. Seu Vieira é o da historiografia
eclesiástica portuguesa. Tendo
confiado a escolha dos trechos
dos sermões a um padre amigo
seu, Oliveira decidiu reavivar a retórica de Vieira pela sobriedade.
Seu rigor aqui é de uma algidez
quase bressoniana, mas Oliveira
não consegue fazer a palavra distanciar-se de seus atores.
Os únicos momentos em que o
discurso de Vieira se descola no
tempo e no espaço são aqueles em
que sobrevoa o mar no eterno devir Portugal/Brasil do personagem. Já Bressane consegue atualizar as palavras de Vieira sem incorrer em redução, tensionando-as semanticamente com imagens
de filmes mudos. Ele não tem medo de inventar Vieira porque sabe
que o Brasil precisa ser reinventado.
(TIAGO MATA MACHADO)
Palavra e Utopia
Palavra e Utopia
Direção: Manoel de Oliveira
Produção: Portugal/França/Brasil/
Espanha, 2000
Com: Lima Duarte, Miguel Guilherme
Quando: hoje, às 18h20, no Cinearte 1
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