São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2000

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24ª MOSTRA DE CINEMA DE SP
"PALAVRA E UTOPIA"
Manoel de Oliveira nos penitencia com sermões de seu padre Vieira

ESPECIAL PARA A FOLHA

Curiosamente, "Palavra e Utopia" começa com uma imagem fetiche de Bressane: uma árvore vista de baixo para cima -que já era genealógica quando circulada pelos soldados de "Não ou a Vã Glória de Mandar" (90), em que Manoel de Oliveira olhava as guerras colonialistas portuguesas sob o signo de Camões.
Camões pode ser o patrono, mas o imperador da língua portuguesa, dizia Fernando Pessoa, é o padre Antonio Vieira. Ele é a raiz da árvore que se afigura tanto no filme de Bressane ("Os Sermões") quanto no de Oliveira. Os entroncamentos, porém, divergem.
Entre os dois Vieiras, há o Atlântico. Princípio e fim do filme de Bressane e meio maior do de Oliveira, o mar de nossos mitos de origem é uma imagem-mãe que a cinematografia brasileira legou do imaginário português.
O Vieira de Bressane é subversivo, reinventado pelo Brasil. É uma fabulação criadora de nosso cinema forjada em nome de um país que busca seus enunciados coletivos. Ele nos fala do presente e seu púlpito está à nossa altura.
O Vieira de Oliveira nos fala de cima. Seu discurso é algo aristotélico. Somos seus ouvintes passivos, penitentes oprimidos por seus sermões. É a posição que Oliveira assumiu no debate após a exibição de seu filme, ao declarar: "A palavra de Vieira é superior a tudo quanto eu possa dizer".
Antes de tudo, Oliveira procurou assegurar a fidelidade histórica. Seu Vieira é o da historiografia eclesiástica portuguesa. Tendo confiado a escolha dos trechos dos sermões a um padre amigo seu, Oliveira decidiu reavivar a retórica de Vieira pela sobriedade. Seu rigor aqui é de uma algidez quase bressoniana, mas Oliveira não consegue fazer a palavra distanciar-se de seus atores.
Os únicos momentos em que o discurso de Vieira se descola no tempo e no espaço são aqueles em que sobrevoa o mar no eterno devir Portugal/Brasil do personagem. Já Bressane consegue atualizar as palavras de Vieira sem incorrer em redução, tensionando-as semanticamente com imagens de filmes mudos. Ele não tem medo de inventar Vieira porque sabe que o Brasil precisa ser reinventado. (TIAGO MATA MACHADO)


Palavra e Utopia
Palavra e Utopia
   Direção: Manoel de Oliveira Produção: Portugal/França/Brasil/ Espanha, 2000 Com: Lima Duarte, Miguel Guilherme Quando: hoje, às 18h20, no Cinearte 1




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