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ARTIGO
O destino e o tipo de mulheres em que eu acredito
CARLOS FUENTES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Creio em mulheres concretas. Com sexo. Com nome.
Com biografia. Com experiência.
Com destino.
A filósofa judia alemã Edith
Stein (1891-1942), discípula de Edmund Husserl, em 1933 entrou
para um convento, como irmã
Benedita da Cruz, mas nunca renunciou às suas raízes judaicas.
Alegou que o anti-semitismo
era um "cristicídio" e pediu a Pio
12 uma encíclica de proteção aos
judeus. O papa não protegeu os
judeus, e Edith Stein foi deportada pelos nazistas ao primeiro
campo de concentração, Dachau.
Quem pode ignorar esses fatos e
falar de destino às mulheres da
história? Edith Stein foi morta em
Auschwitz, em 42. Havia dito: "A
razão nos divide. A fé nos une",
no livro "A Ciência da Cruz".
Anna Akhmatova (1889-1966)
foi, talvez com a exceção de Ossip
Mandelstam, a maior poeta russa
do século 20. Os homens a amaram, mas não a compreenderam.
Por trás de sua aparente fragilidade, havia uma vontade férrea,
que deu asas à sua maravilhosa
poesia. Sua fé na poesia foi tanto a
grandeza quanto o grilhão que a
acorrentou.
Resolvida a seguir seu caminho
livre para além das restrições de
Zhdanóv e do "realismo socialista", foi caluniada e perseguida por
Stálin. O sagaz ditador percebeu
em Akhmatova uma força dupla,
perigosa, intolerável -a de ser
mulher e ser poeta. Em 1935, sua
poesia foi proibida pelo regime.
Seus poemas só permanecem na
memória dos que os leram em
tempo.
Mas a guerra devolve-lhe a popularidade e a honra: sua voz ressoa com os tons mais profundos
da tradição literária russa e da resistência de seu povo. Termina
consagrada. Consagrada em excesso. Seus poemas e conferências
em defesa da cidade de Leningrado, a cidade sitiada, lhe valem
ovações, popularidade, prêmios.
No final da guerra, Stálin se pergunta se essa mulher independente e genial não merece, o
quanto antes, perder a ilusão de
que, por ter contribuído para a vitória, conquistou a liberdade. Ordena que ela seja privada da liberdade e da glória.
Perde o apartamento, a renda
como escritora. Vive na miséria,
com frio, com fome. Sobrevive
graças à caridade dos amigos. Para acabar de vez com a pretensão
de que a liberdade criativa não
custa caro, seu filho é enviado a
um campo de concentração. Libertado em 1956, filho e mãe não
se reconhecem. Não têm nada a
dizer um ao outro.
O filho transfere à mãe o rancor
por seu sofrimento. "Meus contemporâneos e eu podemos contar", escreve Akhmatova em
"Poema sem um Herói", "como
vivemos com medo inconsciente.
Como criamos filhos para verdugos, filhos para a prisão e a câmara de torturas".
Quando Akhmatova morreu, a
fila de homenagens na Casa do
Escritor de Moscou se estendia
por diversos quarteirões. Este é
seu testamento: "Nem sequer hoje conhecemos bem o mágico coro de poetas que são nossos/ Nem
sequer hoje entendemos que a língua russa é jovem e flexível/ Nem
sequer hoje sabemos que mal começamos a escrever poesia, que a
amamos e acreditamos nela".
A filósofa judia francesa Simone
Weil (1909-1943) foi discípula de
Alain e de seu mandamento de repensar tudo a cada ano, partindo
da releitura de um filósofo e um
poeta. Alain dizia não ser comunista nem socialista. "Pertenço à
eterna esquerda, a que nunca
exerce o poder que, por essência,
se presta ao abuso."
Mas Simone Weil não se limitou
a repensar. Quis converter seu
pensamento em ação, colocá-lo à
prova na rua, na fábrica, no campo de batalha. Como estudante,
era conhecida como "a virgem
vermelha", e seu modo de ser de
esquerda foi começar a trabalhar
em uma fábrica; depois passou a
lutar contra o fascismo na Espanha e, a seguir, rechaçou o "patriotismo da Igreja" e os católicos
da França que diziam "melhor
Hitler do que a Frente Popular".
Mas Simone Weil rechaçou
igualmente o comunismo soviético, depois de descobrir os expurgos de Stálin. Esta é sua convicção: "Dentro de pouco tempo, os
revolucionários autênticos serão
reconhecidos, porque serão os
únicos que não falarão de revolução. Nada no presente merece
este nome".
Quanto mais deitava raízes no
trabalho e na política, mais atraída se sentia -entre a gravidade
e a graça- por Deus. Tornou-se
cristã fora da Igreja, que via como estrutura dogmática e burocrática. Ela queria estar com
Deus e atuar livremente.
Em 15 de abril de 1943, Simone
Weil morreu de inanição em um
hospital inglês. Ela fora proibida
de se unir à resistência na França.
Por isso se negou a comer mais
do que a ração diária de um prisioneiro em um campo, ainda
que sofresse de tuberculose.
Acreditei a vida inteira em Simone Weil, desde que li seu maravilhoso ensaio "A Ilíada, Poema do Poder" e decorei as lições
que ela deriva de Homero. "Ninguém está a salvo do destino.
Nunca admire o poder nem
odeie o inimigo nem despreze
aqueles que sofrem."
Tradução Paulo Migliacci
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