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CRÍTICA
Alain Robbe-Grillet flerta com sua própria trajetória
MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL
O que é uma história, o que é
a realidade? O que é a realidade de uma história? Alain Robbe-Grillet, desde sua estréia na ficção francesa, em 1953, insiste serem essas as questões essenciais
para autores e leitores, e em "A
Retomada" há um pouco mais do
mesmo de Robbe-Grillet: o desafio, o humor, a ousadia, o pastiche, o erotismo e sua necessidade
em criar um "novo romance".
No livro (o título original é "La
Reprise", de um texto do filósofo
dinamarquês Soren Kierkegaard), ele narra uma aventura de
espionagem passada em Berlim.
A ação acontece em 1949, quando o agente HR -alguém não
muito importante na hierarquia
do serviço secreto francês- viaja
pela capital alemã em ruínas, encarregado de uma missão da qual
tudo lhe é desconhecido. Ele apenas segue instruções, mas nada se
resolve como o esperado.
Há, claro, o sistema Robbe-Grillet em "A Retomada", e para se
aproximar dele, do método do
qual foi ele um ideólogo, é necessário um recuo histórico.
Em Paris, nos anos 50, o editor
Jérôme Lindon conseguiu reunir
em sua Éditions de Minuit uma
geração de "novos romancistas",
fundadores de uma escola -uma
designação da crítica da época, e
não dos envolvidos- chamada
de "novo romance". Esse foi o
"Nouveau Roman", com uma
proposta breve, revolucionária.
Em 1956, em um ensaio chamado "O Realismo, a Psicologia e o
Futuro do Romance", Robbe-Grillet descrevia assim as intenções
do "Nouveau Roman": "Tudo se
trata de preservar o romance dos
dois perigos que o ameaçam: a esclerose e a decomposição".
A isso ele acrescenta uma outra
idéia, a certeza de ter chegado a
hora na qual a narrativa clássica (e
o apego ao realismo), tanto quanto experimentações formais, já
não dão conta da tarefa do escritor, do leitor e da literatura: "Na
verdade, ninguém mais acredita.
O leitor desconfia do escritor. O
escritor desconfia dos personagens. O personagem parece desconfiar de si mesmo", ele escreve.
Esse foi então o início para Robbe-Grillet, que pretendia, onde a
oportunidade surgisse, promover
uma agitação permanente, fazendo da desconfiança sua matéria-prima. O contra-ataque, em seu
país, foi imenso; na verdade, entre
os franceses, ainda dura, e continua, como antes, ruidoso.
Não raramente, o "Nouveau
Roman" é acusado de ter assassinado as letras francesas, assustando e afastando leitores e críticos
crentes na idéia de que um bom livro é feito apenas com "uma boa
história e personagens interessantes e bem definidos".
Mas, curiosamente, é exatamente isso que "A Retomada"
oferece. Há o enredo encantador e
personagens sempre fascinantes;
talvez nada lembre, na ordem ou
no estilo, a ficção que hoje domina a produção contemporânea,
mas isso, para Robbe-Grillet, não
é um problema, e sim uma proposta de solução.
Gênero
Alain Robbe-Grillet tem hoje 80
anos, adora falar sobre sua coleção de cactos e, ao lado de Claude
Simon (que em 2001 publicou seu
"Le Tramway"), é um dos grandes
autores do "Nouveau Roman" vivos e, principalmente, atuantes.
Na França, é uma personalidade, fazendo aparições públicas
para debater seus livros e filmes.
Além de ser ele mesmo cineasta,
Robbe-Grillet é o autor do roteiro
de "O Ano Passado em Marienbad", dirigido por Alain Resnais,
em 1961.
"A Retomada" marcou sua volta ao romance, no ano passado,
após ter encerrado sua trilogia
"romanesca" -uma "autobiografia ficcional". Mas Robbe-Grillet continua extremamente interessado em si mesmo, na maneira
escolhida durante décadas para
montar sua obra; isso é evidente
no livro, ao menos em três momentos: no período escolhido,
nas obsessões e no gênero retrabalhado pelo escritor.
No primeiro caso há Berlim,
descrita como Robbe-Grillet a viu
(ou imaginou ter visto) em sua juventude; depois, suas manias
quase permanentes, como a pedofilia e o desejo de retomar, disfarçadamente, os temas das tragédias antigas -ele é um escritor
fascinado pela ação do destino.
Por fim, há o gênero. Seu livro é
um romance de espionagem, mas
que dá um passo além, assim como tinha já feito com o policial
em "Les Gommes", sua primeira
obra publicada.
Enquanto um narrador descreve seus encontros e reflexões ao
leitor, há um outro que por meio
de notas de pé de página corrige
as imprecisões deixadas pelo primeiro. Ou seriam eles a mesma
pessoa?
"A Retomada" é então um flerte
com sua própria trajetória, um livro imensamente moderno, uma
reafirmação das habilidades do
"novo romance"; e, ainda, um
universo de possibilidades para
seus leitores, que aprenderam
com Alain Robbe-Grillet a recusar
o que parece fácil em nome do
prazer do enganosamente difícil.
Avaliação:
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