São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2005

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CRÍTICA

Diretor abandona o burlesco para entrar no sombrio

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele está deitado ao lado de um caixa eletrônico. Trata-se de Ricardo Darín, e a cena remete inevitavelmente a "Nove Rainhas", êxito histórico do cinema argentino, quando o mesmo Darín protagonizava a aventura de dois malandros profissionais que tentam executar o golpe de suas vidas, trama que, em dois meses, levou 1 milhão aos cinemas do país.
Desta vez, quem se deixa ver prostrado em lugar tão estratégico não está à espera do momento certo para depenar algum incauto, mas acaba de sair de uma crise de epilepsia. É a partir daí que Fabián Bielinsky parece destruir o que poderia ser a expectativa de um público conservador -divertir-se com uma narrativa tão engenhosa quanto bem-humorada.
"El Aura" guarda semelhanças com "Nove Rainhas", mas num registro que abandona o burlesco para adentrar a sombra e a ambigüidade.
Sai o autoconfiante guru da ilegalidade, entra o taxidermista de raras palavras, desconhecidos êxitos, muitos sentimentos abafados e nenhum amor. Desaparece o frenético cotidiano de Buenos Aires, e a narrativa ganha como aliados o isolamento da Patagônia e um falso bucolismo.
É aí que esse estranho profissional, que tem como hobby fantasiar assaltos perfeitos, vai passar alguns dias. Perto dali, um roubo real e milionário está sendo arquitetado. É feriado, e o cassino local alcança arrecadação máxima. Por acidente, o taxidermista tem chance de imiscuir-se entre os executores do crime. Rapidamente descobre os principais elementos do plano e traça sua estratégia.
É evidente o interesse de Bielinsky por jogos cerebrais, por foras-da-lei que se utilizam da astúcia, e não do revólver. Aqui, o autocontrole tão valorizado pelo diretor é potencializado na figura de um marginal retórico, inofensivo, que, além da inabilidade para a violência, deve superar limitações físicas para alcançar seus objetivos.
A "aura" do título é justamente o termo médico utilizado para o momento que antecede o ataque epiléptico, em que o indivíduo tem uma sensação de aguçamento dos sentidos, instante de subjetiva "iluminação" que cumpre importante papel na trama.
Desta vez, o maior antagonista do marginal de Bielinsky não é o tempo, ou traiçoeiros parceiros, ou a polícia, senão ele mesmo, representante da falibilidade humana.


El Aura
   
Direção: Fabián Bielinsky
Quando: hoje, às 17h30, no Frei Caneca Arteplex


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