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CRÍTICA
Diretor abandona o burlesco para entrar no sombrio
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ele está deitado ao lado de
um caixa eletrônico. Trata-se de Ricardo Darín, e a cena
remete inevitavelmente a "Nove Rainhas", êxito histórico do
cinema argentino, quando o
mesmo Darín protagonizava a
aventura de dois malandros
profissionais que tentam executar o golpe de suas vidas, trama que, em dois meses, levou 1
milhão aos cinemas do país.
Desta vez, quem se deixa ver
prostrado em lugar tão estratégico não está à espera do momento certo para depenar algum incauto, mas acaba de sair
de uma crise de epilepsia. É a
partir daí que Fabián Bielinsky
parece destruir o que poderia
ser a expectativa de um público
conservador -divertir-se com
uma narrativa tão engenhosa
quanto bem-humorada.
"El Aura" guarda semelhanças com "Nove Rainhas", mas
num registro que abandona o
burlesco para adentrar a sombra e a ambigüidade.
Sai o autoconfiante guru da
ilegalidade, entra o taxidermista de raras palavras, desconhecidos êxitos, muitos sentimentos abafados e nenhum amor.
Desaparece o frenético cotidiano de Buenos Aires, e a narrativa ganha como aliados o isolamento da Patagônia e um falso
bucolismo.
É aí que esse estranho profissional, que tem como hobby
fantasiar assaltos perfeitos, vai
passar alguns dias. Perto dali,
um roubo real e milionário está
sendo arquitetado. É feriado, e
o cassino local alcança arrecadação máxima. Por acidente, o
taxidermista tem chance de
imiscuir-se entre os executores
do crime. Rapidamente descobre os principais elementos do
plano e traça sua estratégia.
É evidente o interesse de Bielinsky por jogos cerebrais, por
foras-da-lei que se utilizam da
astúcia, e não do revólver.
Aqui, o autocontrole tão valorizado pelo diretor é potencializado na figura de um marginal
retórico, inofensivo, que, além
da inabilidade para a violência,
deve superar limitações físicas
para alcançar seus objetivos.
A "aura" do título é justamente o termo médico utilizado para o momento que antecede o ataque epiléptico, em
que o indivíduo tem uma sensação de aguçamento dos sentidos, instante de subjetiva "iluminação" que cumpre importante papel na trama.
Desta vez, o maior antagonista do marginal de Bielinsky não
é o tempo, ou traiçoeiros parceiros, ou a polícia, senão ele
mesmo, representante da falibilidade humana.
El Aura
Direção: Fabián Bielinsky
Quando: hoje, às 17h30, no Frei Caneca Arteplex
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