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Comentário
Vazio permeia e fantasma paira sobre 8ª Bienal de Arquitetura
FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Bruno Padovano, idealizador
desta edição da Bienal de Arquitetura, sonhava com uma
mostra para todos os públicos.
Falou até em crianças.
Em parte, ele alcançou o feito: tem espaço de sobra para as
crianças correrem. A exposição
está rarefeita. Faltou conteúdo
e curadoria: 60 dias antes da
abertura, após declarar nesta
Folha que nas edições anteriores "os espaços ficavam às moscas", ele foi afastado.
Sem repetir tendências, o vazio não é privilégio de nenhum
andar. O visitante vai encontrá-lo já na entrada, nos estandes
de empresas e livrarias.
Pela primeira vez, uma empresa especializada comercializou os estandes. Nada contra,
se não fosse o fato de conseguirem alugar só 1/5 do disponível.
Um pouco acima, no térreo
alto, o vazio continua nos ambientes governamentais. É espaço pago e sem conteúdo advindo da curadoria.
Na sequência, o próximo piso
é dividido pela mostra geral de
arquitetos e pelas exposições
dos países. Nos dois casos, há
sobras e nada da curadoria.
Na exposição geral, após pagar, os arquitetos apresentam o
que bem entender (apenas vergonhas são barradas). Os países
também pagam, mas possuem
curadores próprios que salvam
a exposição.
Efetivamente, só é possível
ver a mão de Padovano no último piso, dividido entre estádios da Copa de 2014 e aquários
para workshops estudantis
(talvez o único ponto memorável do evento).
Para finalizar o roteiro, a última parada é um estande de
uma multinacional com 500
m2. "Entrou no final para fechar as contas", conta Mario
Yoshinaga, vice-presidente da
seção paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil).
Feira
O clima é de feira, não de
mostra cultural. Um recurso
cenográfico desta edição ajuda
a diminuir a impressão de vazio
generalizado: como se fosse
fruto de uma fogueira colorida,
nuvens de tecidos com quatro
cores identificam cada andar e
distraem a atenção do visitante
para o teto.
O vazio expressa o pecado
original da bienal: ela é de responsabilidade do IAB-SP. Se no
passado o instituto foi fundamental para consolidar a profissão no Brasil, hoje sua importância é quase nula.
O que sobra é a Bienal -sua
vedete. Mas pesa sobre os ombros da maior mostra de arquitetura do país o caráter burocrático do instituto.
Sob esta ótica, há um forte
agravante nesta edição: uma
disputa política rachou os profissionais do IAB-SP. A diretoria responsável por esta Bienal
assumiu a gestão com a ajuda
de um chaveiro que arrombou a
porta. À sua frente, estava o respeitado Joaquim Guedes.
Tão brilhante quanto atormentado, Guedes licenciou-se
do cargo para tentar uma vaga
de vereador. Antes do pleito,
morreu tragicamente atropelado em frente de casa e deixou
como herança uma diretoria
inexpressiva.
A presidente, por exemplo, é
Rosana Ferrari, cujo trabalho
profissional mais significativo
foi o ambiente "Grill Gourmet"
em um mostra de decoração de
Jundiaí. A Bienal poderia salvar sua inócua gestão, e o plano
incluía Padovano, eleito curador cinco meses antes da abertura do evento.
Ele falou em sustentabilidade, errou ao não montar salas
especiais para "democratizar"
o evento e sua única ideia levada a cabo foi expor os estádios.
Um tiro no pé: políticos e empreiteiras escolheram os arquitetos das arenas sem concursos, ou seja, diferente da forma
democrática proclamada pelo
IAB. Para viabilizar o evento,
chegaram a pedir ajuda financeira das cidades-sede.
Ora, é conteúdo ou propaganda? Resumo da ópera: esta é
a mais fraca entre todas as bienais já realizadas.
Pensando nisso, antes de terminar a visita, fui hipnotizado
pelas nuvens coloridas. Elas me
pareceram o fantasma colorido
de Joaquim Guedes pairando
sobre a mostra.
FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor-executivo da revista "Projeto Design"
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