São Paulo, segunda, 2 de novembro de 1998

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Carmem, a tragédia

Ormuzd Alves/Folha Imagem
A norte-americana Carolyn Sebron interpreta Carmen na montagem do Municipal em São Paulo


Ópera de Bizet estréia amanhã curta temporada no Municipal, deixando de lado o drama passional hispânico e evocando a simplicidade grega
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

"Carmen" está de volta. A ópera, do compositor francês Georges Bizet (1838-1875), estréia amanhã no Teatro Municipal de São Paulo, para uma curta temporada de oito apresentações.
A direção musical será de Isaac Karabtchevsky, 63, e a direção cênica, de Márcio Aurélio, 50.
Com a prefeitura sem dinheiro para as sete montagens de início programadas para 1998, a única produção inédita da temporada acabou ficando por conta do mecenato privado, com os R$ 800 mil bancados pelos Patronos do Municipal.
O personagem de Carmen fascina ainda hoje pelo que tem de belo e ambíguo.
Para as leis, ela é uma contraventora; para a monogamia, uma aberta transgressão; para a sexualidade, um exemplo desprovido de censuras. "O amor é um pássaro rebelde", afirma numa das mais conhecidas árias.

Teatro grego
O espetáculo foi concebido de forma propositalmente despojada. Em lugar de cenários que retratem com um certo barroco tardio as excentricidades hispânicas -ou ao menos a idéia que se fazia delas na França do século 19-, construiu-se no palco uma arena praticamente nua, semelhante à do teatro clássico da antiguidade.
Desse modo, a "Carmen" não tenderá ao drama passional espanhol, tal qual é tradicionalmente interpretado no repertório romântico. Será, desta vez, quase uma tragédia grega, com linguagem cênica que evoca a que vigorava há 25 séculos.
Seus personagens são capazes de ações típicas e se mostram portadores de atributos simbólicos -no caso, a sensualidade extrema da cigana de Sevilha, a liberdade vivenciada na contramão dos valores da tradição religiosa.
"Carmen é uma heroína trágica, uma referência cultural forte, a evocação mítica da mulher selvagem, absolutamente livre", diz o diretor Márcio Aurélio.
E prossegue: "Ela não desconhece seu destino -será assassinada pelo ex-amante, Don José. É a intuição do feminino, essa dimensão absolutamente fêmea".
Musicalmente, diz o maestro Karabtchevsky, "Carmen" foi "um grande divisor de águas na história da ópera. Bizet coloca em cena personagens com identidade própria. Ele revela através da música, com mudanças de tom, de modulação ou de tempo, todas as nuanças psicológicas de cada um. Nesse aspecto, ele se compara perfeitamente a Verdi".
Karabtchevsky regeu sua primeira "Carmen" há oito anos, em Viena, na Staatsoper. Dirigiu duas outras produções, também na Áustria, mais uma terceira em Veneza e, em São Paulo, uma versão em oratório -sem cenários ou figurinos- também no Teatro Municipal.
Duas meios-sopranos se revezarão no papel da cigana. De um lado, a norte-americana Carolyn Sebron, que no ano passado integrou o elenco de Verona dirigido por Franco Zeffirelli. De outro, a argentina Graciela Alperyn, uma veterana no papel, já que participa, agora, de sua 26ª produção.
A brasileira Luciana Bueno interpretará o papel na récita do dia 11, incluída na programação para satisfazer a demanda intensa de ingressos.
Como Don José, estarão em cena os tenores Luis Lima, português, e Alberto Cupido, italiano. No elenco do dia 11 cantará Ludo Farago.
O toureiro Escamillo será interpretado revezadamente pelo barítono croata Boris Martinovic e pelo macedônio Boris Trajanov. No dia 11, estará cantando Sebastião Teixeira.
A camponesa Micaela, ex-namorada de Don José, será interpretada pelas sopranos Rosana Lamosa e Gabriella Pace, que também participaram do elenco competente e despretensioso da montagem deste ano de "La Bohème", de Puccini, no teatro Alfa Real, sob a regência de Jamil Maluf.



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