São Paulo, Quinta-feira, 02 de Dezembro de 1999


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MÚSICA ERUDITA - CRÍTICA
Os russos estão chegando

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

O que se espera de uma orquestra russa? Paixão, impetuosidade, extravagâncias de sentimento e tom. Quase nada dessa caricatura foi confirmado no concerto da Russian National Orchestra, terça-feira no Teatro Alfa.
Na primeira metade, a orquestra foi decepcionante, tocando sem muito interesse música sem muito interesse. Mas na "Quarta Sinfonia" de Tchaikovski os russos chegaram a si mesmos, tocando grande música como uma grande orquestra.
O regente Mikhail Pletnev era uma estrela incógnita: pianista fabuloso, subindo ao palco como regente. Anos de experiência ainda não fizeram dele um maestro tão celebrado. Fluente e preciso, econômico mas expressivo, é um regente de caráter admirável.
Modesto, regendo para os músicos, quase desaparece dentro da função, onde o mais comum é o exibicionismo. Fez tudo com tranquilidade e inteligência musical, mesmo o repertório mais intranquilo e não especialmente inteligente.
A "Abertura Solene" de Glazunov (1865-1936) tem pouco de solenidade. É festiva e simpática, e reescreve, com alguma melancolia também, os "festivais" wagnerianos. Serviu para abrir a noite, em tons nem sempre equilibrados (metais são um problema na Rússia, não só musical).
Nikolai Lugansky tocou o "Concerto para Piano e Orquestra" de Scriabin (1872-1915) com segurança e teve muitos momentos bonitos; mas não tira licor das pedras, como Pletnev já fez. Escrito em 1896, o "Concerto" é anterior às fantasias ocultistas do compositor. Tem as mesmas marcas de dispersão da música tardia, sem sua concentração.
O sentido se dá por acessos e a falta de foco fica cansativa, sem chegar a ser nunca um desfocamento real da tonalidade. O solista saiu-se bem, mas não foi maravilhoso. A orquestra não fez nada de menos, nem de mais.
As coisas mudaram com a sinfonia de Tchaikovski (1840-1893).
Uma das composições mais engenhosas de um compositor mais audacioso do que se pensa, a "Quarta" é uma prova de fogo. E a orquestra cresceu muito, com a música. Na altura do scherzo, com o espetáculo das cordas em pizzicato, a máquina da música estava encantada.
É estranho ouvir uma orquestra com os contrabaixos e violoncelos à esquerda. A disposição favoreceu efeitos estereofônicos entre os violinos e entre baixos e tímpanos. Os metais melhoraram, os sopros estavam atentos, e as cordas incrivelmente afiadas nas velocidades do último movimento.
A Russian National Orchestra foi pelo menos duas orquestras. A segunda muito superior à primeira; e nenhuma a "russa" da imaginação. Mas essa Rússia, afinal, nem existe mais; e são músicos como Pletnev que vão dar outro sentido à palavra. Os russos estão chegando -quem sabe onde.


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