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MÚSICA ERUDITA - CRÍTICA
Os russos estão chegando
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
O que se espera de uma orquestra russa? Paixão, impetuosidade,
extravagâncias de sentimento e
tom. Quase nada dessa caricatura
foi confirmado no concerto da
Russian National Orchestra, terça-feira no Teatro Alfa.
Na primeira metade, a orquestra foi decepcionante, tocando
sem muito interesse música sem
muito interesse. Mas na "Quarta
Sinfonia" de Tchaikovski os russos chegaram a si mesmos, tocando grande música como uma
grande orquestra.
O regente Mikhail Pletnev era
uma estrela incógnita: pianista fabuloso, subindo ao palco como
regente. Anos de experiência ainda não fizeram dele um maestro
tão celebrado. Fluente e preciso,
econômico mas expressivo, é um
regente de caráter admirável.
Modesto, regendo para os músicos, quase desaparece dentro da
função, onde o mais comum é o
exibicionismo. Fez tudo com
tranquilidade e inteligência musical, mesmo o repertório mais intranquilo e não especialmente inteligente.
A "Abertura Solene" de Glazunov (1865-1936) tem pouco de solenidade. É festiva e simpática, e
reescreve, com alguma melancolia também, os "festivais" wagnerianos. Serviu para abrir a noite,
em tons nem sempre equilibrados (metais são um problema na
Rússia, não só musical).
Nikolai Lugansky tocou o
"Concerto para Piano e Orquestra" de Scriabin (1872-1915) com
segurança e teve muitos momentos bonitos; mas não tira licor das
pedras, como Pletnev já fez. Escrito em 1896, o "Concerto" é anterior às fantasias ocultistas do
compositor. Tem as mesmas
marcas de dispersão da música
tardia, sem sua concentração.
O sentido se dá por acessos e a
falta de foco fica cansativa, sem
chegar a ser nunca um desfocamento real da tonalidade. O solista saiu-se bem, mas não foi maravilhoso. A orquestra não fez nada
de menos, nem de mais.
As coisas mudaram com a sinfonia de Tchaikovski (1840-1893).
Uma das composições mais engenhosas de um compositor mais
audacioso do que se pensa, a
"Quarta" é uma prova de fogo. E a
orquestra cresceu muito, com a
música. Na altura do scherzo,
com o espetáculo das cordas em
pizzicato, a máquina da música
estava encantada.
É estranho ouvir uma orquestra
com os contrabaixos e violoncelos à esquerda. A disposição favoreceu efeitos estereofônicos entre
os violinos e entre baixos e tímpanos. Os metais melhoraram, os
sopros estavam atentos, e as cordas incrivelmente afiadas nas velocidades do último movimento.
A Russian National Orchestra
foi pelo menos duas orquestras. A
segunda muito superior à primeira; e nenhuma a "russa" da imaginação. Mas essa Rússia, afinal,
nem existe mais; e são músicos
como Pletnev que vão dar outro
sentido à palavra. Os russos estão
chegando -quem sabe onde.
Avaliação:
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