São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2000

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"QUERO SER MÃE"
Obra mostra lado material da maternidade moderna

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A maternidade moderna pode ter um outro lado, menos natural do que se imagina, mais caso clínico do que a ciência poderia prever até pouco tempo.
Pode custar entre US$ 2.000 e US$ 6.000 para se realizar.
Pode levar anos para acontecer e pode doer muito mais do que as já apavorantes dores do parto. Todo o processo é artificial: da ejaculação do parceiro, na base da masturbação solitária em laboratório, a doloridas injeções de hormônio, punções, angústia da espera por misteriosas siglas (ICSI ou FIV) que funcionem e mesmo gravidez múltipla ou de alto risco.
A vida real de alguns casais que já enfrentaram esse drama contra a infertilidade é que virou objeto dessa pesquisa da jornalista Cláudia Colluci. Depois de ouvir o depoimento de 40 mulheres, Colluci narrou a trajetória delas a partir da decisão de engravidar por meio de técnicas de reprodução assistida. O texto flui como num romance de suspense, em que o antagonista a ser vencido é sempre a poderosa infertilidade.
O mais tocante na narrativa é mesmo a maneira pessoal como essas mulheres expõem sua história. Das mais famosas e ricas como Fátima Bernardes -a locutora do "Jornal Nacional" da Globo- a anônimas como Ana Lúcia, que precisou do serviço de assistência social da prefeitura de sua cidade para o tratamento.
Segundo Colluci, um em cada seis casais brasileiros não consegue ter filhos. Sendo que, em um quinto desses casos, não há um motivo aparente. Muitos recorrem mais de uma vez a um centro de reprodução, e a gravidez só é obtida depois de uma fertilização in vitro (FIV), uma injeção introcitoplasmática de espermatozóides (ICSI) ou outros métodos mais radicais como por meio de doação de óvulos ou esperma.
Muitos enfrentam a longa e abstrata espera de manter por meses embriões congelados num laboratório, preconceitos internos e externos, da família, da bioética e da Igreja Católica.
Mais do que revelar os meandros desse mundo clínico dos bebês de proveta e do congelamento de embriões, "Quero Ser Mãe" abre espaço para o questionamento da própria maternidade. Afinal, o que tem do velho "instinto maternal" no "projeto-filhos" de Ester, por exemplo, que investiu cerca de US$ 170 mil nas várias tentativas de engravidar?
Até que ponto o desejo de ser mãe não passa de planejamento racional, que leva em conta a economia das heranças materiais, mais do que da genética? E o que quer essa mulher do século 21, que, apesar de tanta ciência e desejo de igualdade e independência, leva a imagem de Nossa Senhora Aparecida para a maca do laboratório de reprodução?

Quero Ser Mãe
   
Autora: Cláudia Colluci
Editora: Palavra Mágica
Quanto: R$ 29 (143 págs.)


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