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"SPIDER"
Em adaptação da obra de Patrick McGrath, cineasta canadense aborda a perda da razão e evita cair em clichês
Cronenberg cria anti-"Mente Brilhante"
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"A única coisa pior do que
perder a razão é encontrá-la de novo", diz o slogan internacional de "Spider", talvez o mais
perfeito resumo do novo filme de
David Cronenberg, que no Brasil
ganhou o lamentável subtítulo de
"Desafie sua Mente".
"Spider" é tudo menos um
"puzzle", um desafio. Cronenberg
fez o anti-"Uma Mente Brilhante". Sua adaptação do romance de
Patrick McGrath recusa-se a tomar a perda da razão como um
obstáculo a ser superado, disfunção química que gera um espetáculo ilusionista. Perder a razão é
triste; é desligar-se do mundo, e
na origem dessa perda talvez esteja algo muito próximo do horror.
Daí que "Spider" se aproxima e
se afasta do corpo da obra de Cronenberg. Ao mesmo tempo em
que não facilita as coisas e não
edulcora a loucura, o cineasta enfrenta o desafio de realizar um filme 100% subjetivo de forma bastante convencional.
Sóbria como nunca, a câmera
de Cronenberg busca a reprodução do mundo como ele é visto
por Spider (interpretado por
Ralph Fiennes quando adulto e
por Bradley Hall quando criança).
Um dos passatempos obsessivos
do personagem é amarrar barbantes em seu quarto, formando
teias, o que explica seu apelido. O
espectador vê o que Spider vê,
uma mistura de fato, alucinação e
memória em que até os cenários
(o asilo que ele ocupa nos anos 80,
ou a casa em que morava com a
família nos anos 60, ambas na feia
região leste de Londres) ganham
ares simbólicos, metafóricos.
Mas, ainda que narre tudo sob o
ponto de vista de Spider e trabalhe no campo da metáfora, Cronenberg induz o espectador a chegar aos "fatos", levando-o a compreender o que aconteceu com o
menino e qual foi o instante exato
de seu surto. É nesse ponto que o
filme chega mais perto de uma estrutura convencional.
Mas o passeio de Cronenberg
pela teia imaginária de Spider é
suficientemente rico e imprevisto
para manter o filme afastado dos
clichês que costumam povoar os
filmes sobre esquizofrenia.
Instalado em um novo asilo,
Spider deixa de tomar sua medicação e volta a alucinar com seu
passado. Ele (re)vê o próprio pai
(Gabriel Byrne) assassinar a mãe e
substituí-la por uma prostituta
(Miranda Richardson). Uma vez
desencadeado o processo, outras
lembranças vêm à tona. O curioso, aqui, é que o louco não é feito
vítima. Ou seja, Cronenberg não
tem a ambição de "explicar" a
loucura, apenas dá pistas de onde
pode estar sua origem.
"Spider" é, disparado, o filme
em que Cronenberg mais depende do trabalho dos atores para se
fazer compreender. E eles não decepcionam, sobretudo Miranda
Richardson, que se desdobra com
desenvoltura impressionante em
outros dois personagens. É ela
quem dá rosto do que seria uma
"verdadeira" alucinação. É dela a
face da loucura.
Spider
Spider
Direção: David Cronenberg
Produção: Canadá/França/Inglaterra,
2002
Com: Ralph Fiennes e Miranda
Richardson
Quando: a partir de hoje nos cines
Jardim Sul 2, Pátio Higienópolis 3 e
circuito
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