São Paulo, sexta-feira, 03 de janeiro de 2003

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"SPIDER"

Em adaptação da obra de Patrick McGrath, cineasta canadense aborda a perda da razão e evita cair em clichês

Cronenberg cria anti-"Mente Brilhante"

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"A única coisa pior do que perder a razão é encontrá-la de novo", diz o slogan internacional de "Spider", talvez o mais perfeito resumo do novo filme de David Cronenberg, que no Brasil ganhou o lamentável subtítulo de "Desafie sua Mente".
"Spider" é tudo menos um "puzzle", um desafio. Cronenberg fez o anti-"Uma Mente Brilhante". Sua adaptação do romance de Patrick McGrath recusa-se a tomar a perda da razão como um obstáculo a ser superado, disfunção química que gera um espetáculo ilusionista. Perder a razão é triste; é desligar-se do mundo, e na origem dessa perda talvez esteja algo muito próximo do horror.
Daí que "Spider" se aproxima e se afasta do corpo da obra de Cronenberg. Ao mesmo tempo em que não facilita as coisas e não edulcora a loucura, o cineasta enfrenta o desafio de realizar um filme 100% subjetivo de forma bastante convencional.
Sóbria como nunca, a câmera de Cronenberg busca a reprodução do mundo como ele é visto por Spider (interpretado por Ralph Fiennes quando adulto e por Bradley Hall quando criança). Um dos passatempos obsessivos do personagem é amarrar barbantes em seu quarto, formando teias, o que explica seu apelido. O espectador vê o que Spider vê, uma mistura de fato, alucinação e memória em que até os cenários (o asilo que ele ocupa nos anos 80, ou a casa em que morava com a família nos anos 60, ambas na feia região leste de Londres) ganham ares simbólicos, metafóricos.
Mas, ainda que narre tudo sob o ponto de vista de Spider e trabalhe no campo da metáfora, Cronenberg induz o espectador a chegar aos "fatos", levando-o a compreender o que aconteceu com o menino e qual foi o instante exato de seu surto. É nesse ponto que o filme chega mais perto de uma estrutura convencional.
Mas o passeio de Cronenberg pela teia imaginária de Spider é suficientemente rico e imprevisto para manter o filme afastado dos clichês que costumam povoar os filmes sobre esquizofrenia.
Instalado em um novo asilo, Spider deixa de tomar sua medicação e volta a alucinar com seu passado. Ele (re)vê o próprio pai (Gabriel Byrne) assassinar a mãe e substituí-la por uma prostituta (Miranda Richardson). Uma vez desencadeado o processo, outras lembranças vêm à tona. O curioso, aqui, é que o louco não é feito vítima. Ou seja, Cronenberg não tem a ambição de "explicar" a loucura, apenas dá pistas de onde pode estar sua origem.
"Spider" é, disparado, o filme em que Cronenberg mais depende do trabalho dos atores para se fazer compreender. E eles não decepcionam, sobretudo Miranda Richardson, que se desdobra com desenvoltura impressionante em outros dois personagens. É ela quem dá rosto do que seria uma "verdadeira" alucinação. É dela a face da loucura.


Spider
Spider
   

Direção: David Cronenberg
Produção: Canadá/França/Inglaterra, 2002
Com: Ralph Fiennes e Miranda Richardson
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul 2, Pátio Higienópolis 3 e circuito



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