|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Filme de Oliveira é tragicomédia com sotaque carioca
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O imbróglio de "Separações" segue, de modo geral,
o esquema de "Quadrilha" (o célebre poema de Drummond): Fulano amava Sicrana, que amava
Beltrano etc. Ou melhor: todos
amavam e eram amados, só que
em momentos diferentes, num
doloroso e cômico descompasso.
Impossível resumir esses desencontros. Basta dizer que no centro
de tudo está o escritor cinquentão
Cabral (interpretado pelo próprio
diretor, Domingos Oliveira), que
propõe "um tempo" à companheira 20 anos mais jovem, Glorinha (Priscilla Rozenbaum), e a vê
apaixonar-se pelo arquiteto Diogo (Fábio Junqueira).
Há ainda outros personagens de
várias gerações, perfazendo uma
tapeçaria complexa que lembra os
filmes "corais" de Woody Allen,
como "Hannah e Suas Irmãs".
Também por seu humor amargo e auto-irônico, repleto de referências intelectuais, a aproximação de Domingos Oliveira a
Woody Allen é inevitável. Mas
tanto em "Amores", seu filme anterior, como em "Separações", o
cineasta brasileiro mostra suas
afinidades com outros diretores,
como Truffaut e Cassavettes
-tudo isso com um inconfundível sotaque carioca.
Num gênero (o da comédia dramática amorosa) dominado pela
superficialidade e pelo infantilismo, Oliveira se destaca como uma
ave rara desde o clássico "Todas
as Mulheres do Mundo" (1967).
Primeiro, porque seus roteiros
são adultos, inventivos, cheios de
tensão erótica e dramática. Segundo, porque sua direção é ao
mesmo tempo leve e consistente.
Oliveira domina como poucos
seu instrumental. Sabe o momento de usar uma câmera subjetiva,
um plano sequência ou uma
montagem descontínua. A abordagem escolhida é a que conduz
ao maior rendimento cômico ou
dramático de cada cena.
Um bom exemplo é a sequência
em que Cabral, bêbado feito um
gambá, interpela o amigo que
conquistou sua mulher. Uma câmera em movimento trôpego e
contínuo dá conta do desespero
tragicômico de Cabral e da perplexidade do oponente e das testemunhas.
A "mise-en-scène" de Oliveira
assenta-se em grande parte no talento de seus atores, vários deles
membros de sua equipe habitual
(como os excelentes Ricardo Kosovski e Priscilla Rozenbaum).
Se há uma nota destoante em
"Separações", é a interpretação
das atrizes mais jovens (Maria Ribeiro e Nanda Rocha), que estão
longe do patamar de entrosamento e naturalidade do elenco mais
experiente.
Mas é pouco para empanar o
brilho de um filme tão prazeroso.
Separações
Produção: Brasil, 2002
Direção: Domingos Oliveira
Elenco: Domingos Oliveira, Priscilla
Rozenbaum, Fábio Junqueira
Onde: A partir de hoje nos cines Espaço
Unibanco 1, Jardim Sul 8 e SP Market 2
Texto Anterior: Cinema/estréia - "Separações": Domingos Oliveira filma dores de amores e mente Próximo Texto: "Spider": Cronenberg cria anti-"Mente Brilhante" Índice
|