São Paulo, Quinta-feira, 03 de Fevereiro de 2000


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Investimento em filmes cai de R$ 112 mi em 97 para R$ 51 mi em 99
Crise, privatização e "Chatô" derrubam o cinema nacional

DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

Em 98, a culpa foi da crise russa e da privatização das telefônicas. Em 99, os vilões foram a desvalorização do real e "Chatô, o Rei do Brasil", o polêmico filme inacabado de Guilherme Fontes, que nesta semana virou bode expiatório para uma eventual troca de ministro da Cultura.
Todos esses antagonistas estão queimando o filme do cinema brasileiro. Com menos lucros, em razão das crises globais, e desconfiadas, por causa do "escândalo Chatô", as cerca de 400 empresas que investem em filmes estão fechando as torneiras.
Em 97, as produtoras captaram R$ 112 milhões para a produção de filmes. Naquele ano, as teles, ainda estatais, despejaram boa parte dos R$ 100 milhões que investiram em cultura desde 95.
Em 98, esse valor caiu para R$ 70,9 milhões, uma retração de 37%. No ano passado, a captação foi menor ainda, cerca de R$ 51 milhões (queda de 28% em relação a 98 e de 54,5% comparada a 97), segundo estimativa divulgada nesta semana pelo Ministério da Cultura.
A consequência disso é que há hoje cerca de 50 produções paradas por falta de dinheiro. Até produtores experientes, como Luiz Carlos Barreto (dos nomeados ao Oscar "O Quatrilho" e "O Que É Isso Companheiro?"), estão com dificuldades para tocar projetos.
Governo, corretoras de valores e empresas até tentam esconder a faceta de vilão de "Chatô" nessa trama, jogando a culpa na queda dos lucros das empresas.
As empresas investem em cinema porque existem duas leis, a do Audiovisual e a Rouanet, que lhes permitem deduzir até 100% (no caso da do Audiovisual) do que gastam nos filmes no Imposto de Renda a pagar. Ou seja, investem em cinema com dinheiro público.
"Vários fatores interferem na captação de recursos. 1999 foi um ano de crise, de menos lucros, de menos renúncia fiscal. Mas outro fator importante foi a repercussão de irregularidades em alguns filmes. Isso abalou o cinema", afirma Luiz Carlos Barreto.
O "escândalo Chatô", filme sobre a vida de Assis Chateaubriand, veio à tona em maio passado. Depois de gastar cerca de R$ 7,5 milhões na produção, Guilherme Fontes interrompeu as filmagens, dizendo que faltava R$ 1,6 milhão para concluí-las.
Especulações de todo tipo foram levantadas, até a de que Fontes teria feito remessas para o exterior. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que fiscaliza os certificados emitidos para captar recursos via Lei do Audiovisual, iniciou investigação. O órgão confirma que encontrou irregularidades, mas não diz quais.
O prazo para Guilherme Fontes entregar "Chatô" pronto encerrou em dezembro. Até ontem, dizia que faltavam 15% das filmagens para concluí-lo e insistia em captar mais dinheiro.
O Ministério da Cultura deve anunciar amanhã um solução para o caso: ou sepulta o filme ou dá mais um voto de confiança ao estreante diretor. "Não podemos julgar o caso por hipóteses", sinaliza o secretário do Audiovisual, José Álvaro Moisés, que deu prazo até abril para Fontes prestar contas dos gastos.
Foi justamente uma prestação de contas que jogou mais lama ainda no projetor do cinema nacional. Desde meados do ano passado, os investidores já ouviam rumores de que havia algo de errado com "O Guarani", de Norma Bengell, lançado em 96.
A confirmação veio em um relatório do próprio Ministério da Cultura, datado de 6 de janeiro. O documento, agora nas mãos do Tribunal de Contas da União, conclui que há uma série de irregularidades na prestação de contas dos gastos, como "impropriedades na aplicação dos recursos públicos", manipulação de informações e alteração de notas fiscais.
Os auditores encontraram duas notas fiscais frias, que somam R$ 1,359 milhão, e sugerem que a empresa de Norma, a NB Produções, devolva R$ 4,9 milhões, em valores corrigidos. Ou seja: Norma, se condenada, terá de devolver quase o mesmo que gastou no filme: US$ 2,5 milhões.
A Folha deixou vários recados na secretária eletrônica de Norma Bengell, que não se pronunciou. Fontes nega irregularidades.


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