da Reportagem Local

Maricenne Costa é daquelas cantoras que, por tão pouco gravar, quando grava se afoba e acaba atirando em direções tresloucadas.
"Como Tem Passado!!" (nome infame, pois não?) é, então, seu primeiro álbum de foco fechado -a unidade está tanto na originalidade das canções fundadoras quanto no uso do conjunto tradicional de Izaías-, e o resultado é um espanto.
Vários saberes confluem no CD. O projeto de arranjos é de espanar o ar de velharia de canções há muito vencidas pelas ondas de modernização, fazendo-as "modernas", mas nunca modernosas. Parece (é) música antiga, mas parece música nova.
A voz da cantora, embora pouco gravada, muito saber parece ter acumulado -e o benefício da unidade do projeto sobre a interpretação é evidente.
O exame das peculiaridades das canções fundadoras, a bordo de voz sóbria e suave, redunda em pura delícia. O CD vai de surpresa em surpresa, desde a simplicidade tocante de "Isto É Bom", tomada como a primeira música gravada no Brasil.
A modinha "Perdão, Emília" transfere-a -com maciez- aos domínios da tragédia desabusadamente kitsch. "Não Empurre", na sequência, contrasta com a tragédia de Emília e se faz ápice do disco, Maricenne "rappeando" versos/prosas de malícia explicitamente sexual -uai, e alguém acha Carla Perez escandalosa?
A síncope se mantém por todo CD, a suavidade de "Meiga Flor", "Ai, Amor" e "Tristezas do Jeca" se alternando com a picardia -o erotismo- de "A Bicharada", "A Espingarda", "O Forrobodó" (a única que não constava do projeto original, adicionada, parece, para tomar o bonde do modismo televisivo/fonográfico em torno de Chiquinha Gonzaga).
"Como Tem Passado!!" é objeto de utilidade pública. De mão dupla, repesca e preserva memórias, reevidenciando de quebra uma voz e uma sensibilidade que nunca encontrou seu nicho na MPB. Não deixa de ser metafórico a cantora de bossa nova -ou diva punk extemporânea- se reencontrar na mais tradicional e empoeirada canção brasileira.

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