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TEATRO/CRÍTICA
Andarilhos líricos de "Cachorro!" uivam realidade antipoética
KIL ABREU
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os cães sem dono que uivam
no porão do teatro Maria
Della Costa nas noites de quarta
são tipos desconcertantes, em
uma história que chega à fronteira
do absurdo.
Embaixo da ponte, à beira de
um rio fétido, quatro sem-teto
aguardam a passagem de um cadáver, enquanto desfilam a existência vagabunda em diálogos
grotescos, mas de grande apelo
poético. No entanto o espectador
não deve esperar um tratado sociológico ou um suspiro lírico sobre a vida dos deserdados.
Os andarilhos de "Cachorro!"
não articulam discursos que não
pareçam sair da sua miséria existencial, e a poesia das cenas, quando existe, é afirmada para logo em
seguida ser jogada no lixo pelo
personagem de Ênio Gonçalves,
uma espécie de filósofo da sarjeta.
É inevitável lembrar marginais
de Beckett ou de Plínio Marcos.
Mas o que torna os personagens
de "Cachorro!" interessantes é
que o autor os cria em uma zona
não completamente realista, tornando-os donos de uma dor cheia
de lirismo e também de humor.
Diálogos ágeis sofrem a intervenção de citações, que são assimiladas organicamente.
Se a dramaturgia consegue causar esse saudável estranhamento,
não se pode dizer o mesmo da
maior parte das soluções cênicas.
Ficamos com a impressão de que
a encenação confia demais no texto e prejudica-o, por não corresponder a ele em inventividade.
Um outro elemento que sofre
dessa mesma falta é o espaço da
representação. O espaço não fala
por si e pede alguma mobilização
para que possa dialogar melhor
com os atores e com o texto.
Entre os intérpretes, é o próprio
Gonçalves quem vive os melhores
momentos. Apropria-se sem vacilos da fala dura e lírica do "homeless" que representa. Na composição dos demais personagens,
o resultado não é o mesmo, sobretudo quando os atores apelam para a caricatura vocal (no caipira de
Hermínio Portella, por exemplo).
Mara Faustino (Maria) sai-se melhor ao evitar esse caminho. Em
tipos já tão marcantes, parece que
não há lugar para maneirismos.
"Cachorro!" pode ser visto como uma sensível alegoria. Vale
sobretudo pela lírica compreensão de certa realidade -esta sim,
em tudo antipoética.
Cachorro!
Texto e direção: Ênio Gonçalves
Com: Ênio Gonçalves, Mara Faustino,
Hermínio Portella e Emerson Ribeiro
Onde: porão do teatro Maria Della Costa
(r. Paim, 72, tel. 0/xx/11/256-9115)
Quando: quartas-feiras, às 21h
Quanto: R$ 10
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