PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O programa que a série "Ensaio" reprisa na noite de amanhã na Cultura é a oportunidade raríssima de ver a cantora Marisa Gata Mansa, morta no último dia 10, em movimento na televisão.
Talvez fosse assim por causa da postura sempre discreta, evidente no programa de Fernando Faro, que foi gravado em 75, ainda com o nome "MPB Especial". Marisa conversa com voz tímida, olhares pensativos e feições melancólicas.
Talvez fosse discreta pela timidez, por não ter tido uma personalidade daquelas que querem se impor à opinião pública, ou pelos indícios de que não era, mesmo, uma cantora de primeiro escalão.
Mas a postura arrebatada com que canta "Segredo", do repertório de Dalva de Oliveira (seu primeiro modelo de cantora, como explica), fornece outras pistas. Conforme lembra histórias e personalidades (João Gilberto, João Donato, Dolores Duran...), a impressão vai se transformando.
Percebe-se que se meteu com a geração da bossa, mas que não se livrou da influência dos mais antigos (Dalva, Silvio Caldas, Orestes Barbosa), tampouco do curto e intenso convívio com a dor-de-cotovelo pré-bossa nova de Dolores Duran e Antonio Maria.
Vai cantando seus temas simples, e eles nunca são de bossa -passam boleros, a Bahia de Dorival Caymmi, as dores de Dolores. E fala de João, de Tom, da rapaziada bossa nova que execrou a sua geração, do bolero, do samba-canção, da dor-de-cotovelo.
No cotovelo se deu a discreta existência artística de Marisa. Firmou-se como artista quando samba-canção e bossa digladiavam numa sangrenta batalha. Cantou no Brasil pós-bossa nova com alma de fossa velha. Amargou uma existência descompassada no tempo, pois velhos e novos eram igualmente intransigentes com quem não fosse nem muito velho nem muito novo. Sua face pálida fica no ar uma hora inteira amanhã, talvez pela última vez.