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``Tieta'' se mostra contente demais
FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha
Ano passado, ao ser lançado no
cinema, ``Tieta'', de Cacá Diegues,
foi saudado como o filme que estava faltando para consolidar o renascimento do cinema nacional.
Um renascimento difícil, que precisou acertar as contas com dois
cadáveres ilustres, a Embrafilme e
a era Collor.
As coisas no Brasil aparecem
muitas vezes com sinais trocados e
foi o jornalista Marcos Augusto
Gonçalves, desta Folha, quem matou a charada.
``Tieta'', disse ele, é sim um marco nacional, mas não por inaugurar uma nova era em nosso cinema, e sim porque fecha, com quase
20 anos de atraso, o ciclo pós-cinemanovista dos anos 70, que pretendeu assimilar alguns avanços
estéticos e formais do cinema novo
às malhas do mercado.
Ocorre que o Brasil da era FHC
não é mais o país da era Geisel, embora tenha gente imitando o papel
que Glauber Rocha fez naquela
época, quando aderiu ao ``líder
modernizante'' depois de ter posto
os cinco dedos na ferida da alma
nacional com ``Terra em Transe''.
O país hoje pede novos espelhos,
e ``Tieta'' de Cacá diegues, disse
Marcos Augusto, nos oferece um
retrovisor. A imagem é imbatível.
Isso não significa que seja um filme ruim. Cacá Diegues traduz
com muito talento o Brasil lírico,
doce, excessivo, ondulado, repleto
cheiros primitivos, cores sanguíneas e volúpia sexual que povoa
toda a obra de Jorge Amado.
Há, além disso, Marília Pêra provando mais uma vez sua excelência como atriz, há a trilha lindíssima de Caetano e Jacques Morelenbaum, há Claudia Abreu confirmando seu talento, há, por fim, a
plasticidade de uma Bahia utópica,
mítica, que parece estar além do
bem e do mal, como Sonia Braga.
Diegues conseguiu um filme,
como ele disse, ``contra a cultura
masculina da brutalidade (...) em
que se celebre uma cultura feminina, como metáfora da delicadeza, do espírito, da finura, da
beleza''.
Isso faz a força e a fragilidade
de ``Tieta'', que é um filme afirmativo demais, contente demais,
demasiadamente a favor da maré. Falta-lhe, numa palavra,
aquela negatividade, aquela gota
de veneno, sem as quais não existem grandes obras. Gostar ou
não de ``Tieta'' não é uma questão de gosto, mas de bem-estar
ou mal-estar na civilização brasileira. Fora isso, o filme é muito
agradável de se ver.
Filme: Tieta
Produção: Brasil, 1996
Direção: Cacá Diegues
Com: Sonia Braga, Marília Pêra
Lançamento: Columbia
(011/5505-3836)
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