São Paulo, terça, 3 de fevereiro de 1998

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Vídeo sobre Helfgott é simpático e discreto

especial para a Folha

Quem gosta muito de música geralmente foge de filmes em que ela é personagem. Com raras exceções, a música no cinema é um prato cheio para o sentimentalismo.
Mesmo produções mais especializadas, como "32 Curtas sobre Glenn Gould" e a série de seis filmes com o violoncelista Yo Yo Ma, exibidos recentemente na Rede Cultura, não escapam de ambições grandiosas e consequências morosas que fazem do gênero "filmes de música" uma classe especial de kitsch.
O filme australiano "Shine" é uma inesperada exceção a essa regra. Tinha tudo para não ser: a história do pianista David Helfgott, menino prodígio atormentado por um pai dominador, que acaba sofrendo de doença mental depois de um início retumbante de carreira e que retorna aos palcos 25 anos mais tarde salvo pelo amor de uma astróloga, parecia feita sob medida para um melodrama.
A surpresa é ver nesse filme, que não é, a rigor, sobre música, um dos tratamentos mais decentes que o cinema popular já dedicou à arte.
Na esteira do sucesso internacional do filme, David Helfgott voltou a se apresentar nas salas mais prestigiosas da Europa e dos Estados Unidos. A crítica foi unânime em condenar os concertos.
Seria desumano, por outro lado, criticar o esforço pessoal de Helfgott -suficiente, ao que parece, para comover platéias, mais interessadas nele do que propriamente na música.
Helfgott é mais do que uma curiosidade musical, mas menos do que um grande pianista: a música parece mais um veículo para ele do que ele para a música. E isso é ou não é música?
Produzido para a TV inglesa, "David Helfgott: A Musical Journey" constitui outra boa surpresa do caso Helfgott.
Um vídeo neutro, na avaliação do pianista, fugindo à tentação de transformá-lo em gênio incoerente das emoções, mas escapando também de uma avaliação só técnica de um músico que não é só músico.
Apresentado por Melvyn Bragg, o vídeo reúne entrevistas com ele, sua mulher e vários críticos e professores. Acompanha Helfgott em turnê pela Inglaterra e compila material de arquivo.
Na segunda parte, independente dos primeiros 45 minutos, o programa registra um concerto do pianista, sem nenhuma interrupção nem comentário.
Deixa assim que cada espectador decida por si mesmo se quer ou não escutar David Helfgott.
Discreto, simpático e bem editado, o vídeo, como tudo que diz respeito a esse homem, não é só sobre a música, mas é sobre a música também.
As lições de Helfgott nos permitem deixar de ouvi-lo, mas agradecidos pelo que ele ensinou -não só sobre a música, mas sobre a música também.
(AN)

Vídeo: David Helfgott: A Musical Journey Direção: Leo Burley Lançamento: Warner/NVC Arts Quanto: R$ 25, em média


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