São Paulo, terça, 3 de fevereiro de 1998

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'Bimbo' americano pode mudar o destino nacional

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas

Tenho pensado muito no "bimbo" do Clinton, como dizem os jornais em NY, para usar uma palavra mais infantil, em vez de "dick" ou "prick" ou "pecker". Perdoem-me os leitores e tolerem-me editores, mas não posso falar no "pênis" do presidente. No Brasil, que palavra usar? Pinto, piu-piu, "coisinha", para ser suave, ou então, para ser jocoso, "pele vermelha", "miúda", piroca ou, engrossando mais, casseta, manjuba, peia ou a raríssima "silupanha"? Escolho a palavra "pau", por ser mais neutra, útil, com sonoridade minimalista.
A verdade é que o mundo está todo pensando no pau do Clinton. Eu ia escrever sobre a crise da Ásia e acabei reduzido a falar do voraz habitante de uma braguilha gringa. É bonito isso? Há duas semanas, só pensávamos na Coréia, na Indonésia e agora somos três bilhões de seres humanos vidrados nas partes pudentas do presidente americano e tentando imaginar como seria a cena entre ele e a chave-de-cadeia Monica Lewinsky.
E pensamos num "pornô-épico": Os dois fazendo amor em cima da mesa de despachos, perto do telefone vermelho, perto do botão que aciona 40 mil ogivas nucleares e nos destrói. Os diálogos podem parodiar o "Casabranca", quando Humphrey Bogart diz, ao beijar Ingrid Bergman, na hora da invasão de Paris: "São os canhões atirando ou nossos corações batendo?" Hoje seria: "Você gozou, amor, ou foi o fim do mundo?"
O pau de Clinton viaja no imaginário mundial, como um "passaralho" multicultural. Como será essa superpotência nuclear? Paula Jones descreveu-o como "torto, com uma cicatriz do lado". E a assessoria da Casa Branca desmentiu: "o pênis do sr. presidente é normal". Como será? Terá o selo da república americana? Será verde como o dólar, será um "star spangled" pinto, com listras e estrelinhas como a bandeira? Afinal, o pau do presidente americano é o pau mais importante do mundo e seu bem-estar é fundamental para a nossa segurança. Segundo algumas assessoras (isto está nos jornais), Clinton tem uns ataques de súbita libido que elas chamam carinhosamente de "bimbo eruptions" ("erupções do bimbo"). Ou seja, ele está tentando acalmar esse vulcão e, se ele sabe o que deve fazer para manter a paz no Oriente Médio, deve também saber o que fazer para manter sua paz interior. Ficou apavorantemente claro para o mundo que um "atraso" qualquer no "bimbo", um excesso de trabalho, uma insatisfação orgástica, pode provocar guerras e crises. Ficou clara a tibieza ridícula do mundo moderno e seu mito do controle absoluto. O descontrole de um "bimbo" é um terremoto histórico. Por baixo do mundo globalizado, vemos que a velha sexualidade freudiana ainda manda. Ficou claro que o mundo, moralista e vulgar, só pensa "naquilo". Como dizia Nelson Rodrigues, "o Ser Humano é de classe média". Uma das imagens mais incríveis da semana foi o encontro de Clinton e Arafat, ali no salão Oval (ou Oral), onde tudo aconteceu, com a imprensa ignorando o líder palestino e perguntando ao Clinton sobre seu pinto. Ninguém traduziu nada para o Arafat e o pobre árabe ficou perplexo, ele mesmo com cara de piroca, ainda por cima com aquele paninho amarrado na cabeça, mais parecendo um "bimbo" de capuz.
Estaria Monica Lewinsky fazendo um bem ou um mal para a humanidade, ao praticar "blow jobs" no grande homem, o "big he", como ela chama, numa súbita metonímia sexy (refere-se à parte ou ao todo?). O que é melhor para a humanidade: um presidente ativo, comedor, machista, como dizem as americanas (o monstruoso dragão Linda Tripp falou: "estou agindo contra o machismo liberal") ou um presidente brocha ou reprimido? Esse debate é maior que a mentira ou a verdade. Aqui nos EUA só há duas hipóteses: ou você é liberal ou conservador. Não há paus-tucanos, paus-PFL, paus-Lula ou paus-Maluf, paus cambiantes, evasivos, conciliatórios. Só há dois paus: o castrado e o delirante, o carta ou o priapico, o voltejante, o lúdico pau dos democratas com grandes sacanas históricos como o presidente Harding (1921-1923), como Roosevelt e sua amante, passando pela Marilyn Monroe cantando "happy birthday" para o Kennedy, (que, aliás, comeu uma brasileira amiga minha, que lhe fez um "serviço de sopro" num iate que jogava muito e ela ficou enjoada, mas teve de engolir -afinal, seria uma desfeita para com o líder de uma nação amiga...), até chegarmos a esta coisa sinistra e pós-moderna de um pobre estadista tendo de dar escapadinhas no salão Oval, como um clandestino da lei, um clandestino de si mesmo.
E há esse embate entre Clinton e esta bicha enrustida que é o promotor Kenneth Starr, que ama o presidente, sem dúvida, tal sua sanha vingativa. Starr quer castrar o homem que toca sax, que já fumou maconha, se recusou a ir ao Vietnã; a boneca republicana quer capar esse yuppie com vagos ecos dos anos 60. É isto que a caretice puritana deseja: secar o lado alegre da América, o lado (hoje quase nada) inconformista, o lado jazz, o lado rock, o lado riso, o lado "bimbo".
Por fim, o "bimbogate" mostra que nós, jornalistas, não somos livres coisa nenhuma, que somos pautados pelos poderosos -o mundo inteiro está submetido a este pornofilme. Assim como os EUA tinham decidido no último mês que só a crise financeira interessava à imprensa mundial, agora somos obrigados, humilhantemente, a comentar uma besteira desse tipo.
Será que estamos no início ou no fim de uma revolução cultural? Será um ridículo fim de século ou estamos nos "humanizando" pela crise do pintinho? Talvez seja o início, talvez estejamos comendo "ab ovo", dos ovos, do oval, do oral, do anal, numa retomada freudiana que desfaz todos os mitos de "grandeza" de uma civilização neurótica e burra.
Que diria um Weber, que dirá um Habermas, diante de tal micharia? Como ficam os sistemas de pensamento? Como explicar a convivência da maior nação do mundo com esta bobagem, a convivência do Hubble com o Bimbo? "Foi a CIA que armou tudo, para empanar a visita do papa a Cuba", disse-me um amigo comuna, num derradeiro gesto de esperança épico-conspiratória. Coitado, já acabaram as "grandes narrativas".
Até o Sadam Hussein está revigorado com essa provisória castração de Clinton, ameaçando o mundo com seu pau-fundamental, com micróbios "antrax" e botulismos pavorosos, numa espécie de gonorréia maldita, nessa guerra fria de micharias como a Aids, ébola, gripe de galinhas chinesas, foguetes cheios de merda caindo em Nova York e agora o pinto pelado e torto de Clinton sendo defendido por sua própria mulher enganada. O pau de Clinton transformou nossa tragédia numa piada sinistra. O teatro do absurdo acabou num terrível besteirol. E no Brasil, que cenário temos? Vejamos. Crise do "bimbo" derruba Bolsas, causa pânico, fuga de capitais, fracasso do Real e falência nacional. Deixaremos de ser emergentes para decadentes. É isto aí... Monica Lewinsky pode ter determinado nosso destino nacional, oh, meu pálido leitor!



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