São Paulo, sábado, 03 de março de 2001

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A fábrica de biscoitos de Fernando Sabino

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fernando Sabino andou dizendo por aí que estava preparando a sua "obra póstuma em vida". Chegou a hora. Aos 77 anos, um dos principais escritores brasileiros vivos está lançando nas próximas semanas "Livro Aberto", volume em que reúne "páginas soltas ao longo do tempo", como explica no subtítulo.
Em mais de 650 páginas, o escritor marca um encontro de textos que fez entre 1939 e 1999 e que nunca foram publicados em livros. São crônicas, resenhas, entrevistas, ensaios, cartas, bilhetes e os dois únicos poemas que Sabino diz ter feito até hoje (que o "Inéditos" publica com exclusividade).
Por que "obra póstuma em vida"? A resposta estaria em "Fernando Sabino: Reencontro", biografia que o escritor e jornalista Arnaldo Bloch lançou pela Relume Dumará no final de 2000.
"O que não estiver em "Livro Aberto" é condenado ao esquecimento (...). "Imagine, depois que eu morrer, o pessoal publicando minhas redações escolares nas primeiras páginas dos suplementos literários. Não quero isso, não'", registra Bloch do único encontro que conseguiu ter com o escritor. Sabino não dá regularmente entrevistas desde 1991, quando seu livro "Zélia, uma Paixão", calcado na vida da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, ganhou páginas e páginas de críticas negativas na imprensa.
A versão de Sabino do episódio está em "Livro Aberto": "Ao contrário do que tem sido propagado pelos que não o leram, foi precisamente uma experiência literária inédita que me desafiou: escrever em termos de ficção sobre uma insigne personagem da vida real". Em texto de apresentação de seu novo trabalho, ele completa: "Minha vida é um livro aberto". Fatias saborosas de sua biografia, aliás, sempre estiveram na massa folhada da ficção do escritor, seja nos seus quatro romances, nas suas dezenas de livros de contos e novelas, seja nas mais de mil crônicas que pulverizou por todos os tipos de papel em branco.
"O lirismo importa em certo abandono, e Fernando não se abandona nunca", escreveu certa vez em carta a Clarice Lispector o escritor Rubem Braga, talvez o mais próximo da literatura de Sabino depois do trio mineiro Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. Espécie de "quinto cavaleiro do Apocalipse", o cronista capixaba ressaltava nessa correspondência que imaginava que "as melhores coisas do Fernando" eram uma histórias engraçadas, mais leves, descompromissadas.
Como aponta Bloch em sua biografia de Sabino, Guimarães Rosa teria seguido raciocínio oposto. O autor de "Grande Sertão: Veredas" disse ao jovem escritor: "Não faça biscoitos, faça pirâmides".
Os comentários de Braga e Rosa vinham no contexto em que o ainda jovem, mas já famoso cronista e contista, publicava seu primeiro e ambicioso romance: "Encontro Marcado" (1956).
Mesmo que Sabino ainda tenha feito pirâmides como "O Grande Mentecapto", em 1979, sua marca mais forte é a de um talentoso fabricante de biscoitos. "Livro Aberto" é feito deles. Bolachas das mais diversas gramaturas e com todos os sortimentos de sabor.
O gosto mais delicado, imaginativo e sorridente pode ser provado logo no início do volume, em "O Caçador de Borboletas", crônica em que conversa com um pardal. Na época ele tinha 15 anos e ainda não dispensara o Tavares que fica entre o Fernando e o Sabino, supressão sugerida por Mário de Andrade, com quem manteve longa correspondência (uma das cartas reproduzidas).
Mas o sabor mais vincado em "Livro Aberto" talvez seja aquele sintetizado por um epitáfio que Sabino brinca ter sido sua grande obra: "Fiz o que quis".
Para adiantar um pouco do que ele quis, ou fez, basta dizer que no livro relata andanças por Nova York, Londres, Paris, Roma, Los Angeles, Ciudad Trujillo... acompanhado de Salvador Dalí, Miró, Beatles, Ary Barroso, John dos Passos e, claro, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Pellegrino, Otto, Mendes Campos.
O livro está aberto. Vá adiante.


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