|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A fábrica de biscoitos de Fernando Sabino
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Fernando Sabino andou dizendo por aí que estava preparando a
sua "obra póstuma em vida".
Chegou a hora. Aos 77 anos, um
dos principais escritores brasileiros vivos está lançando nas próximas semanas "Livro Aberto", volume em que reúne "páginas soltas ao longo do tempo", como explica no subtítulo.
Em mais de 650 páginas, o escritor marca um encontro de textos
que fez entre 1939 e 1999 e que
nunca foram publicados em livros. São crônicas, resenhas, entrevistas, ensaios, cartas, bilhetes e
os dois únicos poemas que Sabino
diz ter feito até hoje (que o "Inéditos" publica com exclusividade).
Por que "obra póstuma em vida"? A resposta estaria em "Fernando Sabino: Reencontro", biografia que o escritor e jornalista
Arnaldo Bloch lançou pela Relume Dumará no final de 2000.
"O que não estiver em "Livro
Aberto" é condenado ao esquecimento (...). "Imagine, depois que
eu morrer, o pessoal publicando
minhas redações escolares nas
primeiras páginas dos suplementos literários. Não quero isso,
não'", registra Bloch do único encontro que conseguiu ter com o
escritor. Sabino não dá regularmente entrevistas desde 1991,
quando seu livro "Zélia, uma Paixão", calcado na vida da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, ganhou páginas e páginas de críticas
negativas na imprensa.
A versão de Sabino do episódio
está em "Livro Aberto": "Ao contrário do que tem sido propagado
pelos que não o leram, foi precisamente uma experiência literária
inédita que me desafiou: escrever
em termos de ficção sobre uma
insigne personagem da vida real".
Em texto de apresentação de seu
novo trabalho, ele completa: "Minha vida é um livro aberto". Fatias
saborosas de sua biografia, aliás,
sempre estiveram na massa folhada da ficção do escritor, seja nos
seus quatro romances, nas suas
dezenas de livros de contos e novelas, seja nas mais de mil crônicas que pulverizou por todos os tipos de papel em branco.
"O lirismo importa em certo
abandono, e Fernando não se
abandona nunca", escreveu certa
vez em carta a Clarice Lispector o
escritor Rubem Braga, talvez o
mais próximo da literatura de Sabino depois do trio mineiro Otto
Lara Resende, Paulo Mendes
Campos e Hélio Pellegrino. Espécie de "quinto cavaleiro do Apocalipse", o cronista capixaba ressaltava nessa correspondência
que imaginava que "as melhores
coisas do Fernando" eram uma
histórias engraçadas, mais leves,
descompromissadas.
Como aponta Bloch em sua biografia de Sabino, Guimarães Rosa
teria seguido raciocínio oposto. O
autor de "Grande Sertão: Veredas" disse ao jovem escritor: "Não
faça biscoitos, faça pirâmides".
Os comentários de Braga e Rosa
vinham no contexto em que o
ainda jovem, mas já famoso cronista e contista, publicava seu primeiro e ambicioso romance: "Encontro Marcado" (1956).
Mesmo que Sabino ainda tenha
feito pirâmides como "O Grande
Mentecapto", em 1979, sua marca
mais forte é a de um talentoso fabricante de biscoitos. "Livro
Aberto" é feito deles. Bolachas das
mais diversas gramaturas e com
todos os sortimentos de sabor.
O gosto mais delicado, imaginativo e sorridente pode ser provado logo no início do volume, em
"O Caçador de Borboletas", crônica em que conversa com um
pardal. Na época ele tinha 15 anos
e ainda não dispensara o Tavares
que fica entre o Fernando e o Sabino, supressão sugerida por Mário de Andrade, com quem manteve longa correspondência (uma
das cartas reproduzidas).
Mas o sabor mais vincado em
"Livro Aberto" talvez seja aquele
sintetizado por um epitáfio que
Sabino brinca ter sido sua grande
obra: "Fiz o que quis".
Para adiantar um pouco do que
ele quis, ou fez, basta dizer que no
livro relata andanças por Nova
York, Londres, Paris, Roma, Los
Angeles, Ciudad Trujillo... acompanhado de Salvador Dalí, Miró,
Beatles, Ary Barroso, John dos
Passos e, claro, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Pellegrino,
Otto, Mendes Campos.
O livro está aberto. Vá adiante.
Texto Anterior: Nova York - 1948 Próximo Texto: A obra Índice
|