São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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Uma bússola na mão

Projeto do Teatro da Vertigem pesquisa os "Brasis" de São Paulo, Distrito Federal e Acre

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Morador do distrito de Brasilândia, zona norte paulistana, o pedreiro Adauto Paiva da Silva, 37, nunca foi ao teatro, mas o teatro atravessa o seu caminho desde janeiro, quando foi contratado pelo grupo Teatro da Vertigem.
Ele trabalha na reforma de uma casa semi-destruída naquela periferia de paisagem plena em casas de tijolos aparentes (marrons), contraste com a vegetação da Serra da Cantareira que a envolve.
Ali, no Jardim Planalto, à margem de um córrego a céu aberto, cavalos a mastigar o capim abundante, funcionará a sede provisória do Vertigem na Brasilândia.
No próximo dia 9, com o início de oficinas destinadas aos moradores, o grupo coloca em marcha o projeto BR-3. Trata-se da criação de um espetáculo a partir de investigação artística que percorrerá três pontos do mapa do país: Brasilândia (SP), Brasília (DF) e Brasiléia (AC).
Depois de cruzar os anos 90 com pesquisas e realizações em torno do sagrado, com a Trilogia Bíblica, composta por "O Paraíso Perdido" (1992), "O Livro de Jó" (1995) e "Apocalipse 1,11" (2001), o Vertigem parece determinado a ampliar o horizonte sociológico que já despontava no último espetáculo, impregnado de cenas realistas sobre o cotidiano violento de São Paulo.
E por que Brasilândia, Brasília e Brasiléia? Para além do radical que remete ao nome do país, o diretor Antônio Araújo, 37, pretende que o estudo leve a um recorte desses "Brasis". "O desejo do grupo é que tanto as viagens quanto a experiência teórica e prática permitam apontar as relações existentes entre esses três lugares, ou não-relações, as diferenças."
Esse período de investigação é semelhante ao de espetáculos anteriores, quando toda a equipe se envolve no recolhimento de depoimentos, histórias, referências, enfim, material que serve ao processo colaborativo na dramaturgia (o grupo leva em média três anos para estrear num espaço não-convencional, como hospital e presídio desativados).
A diferença é que, desta vez, há um componente geográfico, distâncias a serem vencidas. Em Brasilândia (247 mil habitantes em 2000), o Vertigem fincará base durante todo o ano, levando cursos de iniciação (interpretação, texto, cenário, iluminação etc.) a oito espaços do bairro; até um bar abrigará oficina de música.
Em abril, quando Brasília (198 mil habitantes) faz aniversário, e em setembro, quando acontecem as cerimônias cívicas pela Independência, o grupo prevê visitar a cidade por duas semanas em cada data. Já Brasiléia (237 km ao sul de Rio Branco; 14 mil habitantes), na fronteira com a Bolívia, demandará pelo menos um mês de estadia, de preferência em julho, época de estiagem. A idéia, neste caso, é viajar por terra.
Nas entrelinhas, há a perspectiva de sondar questões contemporâneas como identidade, caráter, centro, periferia, o arcaico e o moderno. Araújo prefere falar em "não-identidades", no caso das três localidades escolhidas, conforme observou o escritor Bernardo Carvalho, colunista da Folha, agregado ao projeto.
Brasilândia está na cidade mais rica do país e, no entanto, padece da falta de infra-estrutura. Está no centro e na periferia. Brasília, capital do poder, também convive com paradoxos em índices sociais. Brasiléia sofre as conseqüências de uma cidade fronteiriça, em plena selva amazônica. É uma área importante de extração de borracha, mas enfrenta o tráfico de drogas na região compartilhada com o território boliviano.
Tudo está posto no papel. Ora em diante, com a bússola na mão, o Teatro da Vertigem sai também em outra frente, a da captação de recursos para fazer vingar um espetáculo.

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