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Uma bússola na mão
Projeto do Teatro da Vertigem pesquisa os "Brasis" de São Paulo, Distrito Federal e Acre
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Morador do distrito de Brasilândia, zona norte paulistana, o
pedreiro Adauto Paiva da Silva,
37, nunca foi ao teatro, mas o teatro atravessa o seu caminho desde
janeiro, quando foi contratado
pelo grupo Teatro da Vertigem.
Ele trabalha na reforma de uma
casa semi-destruída naquela periferia de paisagem plena em casas
de tijolos aparentes (marrons),
contraste com a vegetação da Serra da Cantareira que a envolve.
Ali, no Jardim Planalto, à margem de um córrego a céu aberto,
cavalos a mastigar o capim abundante, funcionará a sede provisória do Vertigem na Brasilândia.
No próximo dia 9, com o início
de oficinas destinadas aos moradores, o grupo coloca em marcha
o projeto BR-3. Trata-se da criação de um espetáculo a partir de
investigação artística que percorrerá três pontos do mapa do país:
Brasilândia (SP), Brasília (DF) e
Brasiléia (AC).
Depois de cruzar os anos 90
com pesquisas e realizações em
torno do sagrado, com a Trilogia
Bíblica, composta por "O Paraíso
Perdido" (1992), "O Livro de Jó"
(1995) e "Apocalipse 1,11" (2001),
o Vertigem parece determinado a
ampliar o horizonte sociológico
que já despontava no último espetáculo, impregnado de cenas realistas sobre o cotidiano violento
de São Paulo.
E por que Brasilândia, Brasília e
Brasiléia? Para além do radical
que remete ao nome do país, o diretor Antônio Araújo, 37, pretende que o estudo leve a um recorte
desses "Brasis". "O desejo do grupo é que tanto as viagens quanto a
experiência teórica e prática permitam apontar as relações existentes entre esses três lugares, ou
não-relações, as diferenças."
Esse período de investigação é
semelhante ao de espetáculos anteriores, quando toda a equipe se
envolve no recolhimento de depoimentos, histórias, referências,
enfim, material que serve ao processo colaborativo na dramaturgia (o grupo leva em média três
anos para estrear num espaço
não-convencional, como hospital
e presídio desativados).
A diferença é que, desta vez, há
um componente geográfico, distâncias a serem vencidas. Em Brasilândia (247 mil habitantes em
2000), o Vertigem fincará base
durante todo o ano, levando cursos de iniciação (interpretação,
texto, cenário, iluminação etc.) a
oito espaços do bairro; até um bar
abrigará oficina de música.
Em abril, quando Brasília (198
mil habitantes) faz aniversário, e
em setembro, quando acontecem
as cerimônias cívicas pela Independência, o grupo prevê visitar a
cidade por duas semanas em cada
data. Já Brasiléia (237 km ao sul de
Rio Branco; 14 mil habitantes), na
fronteira com a Bolívia, demandará pelo menos um mês de estadia, de preferência em julho, época de estiagem. A idéia, neste caso,
é viajar por terra.
Nas entrelinhas, há a perspectiva de sondar questões contemporâneas como identidade, caráter,
centro, periferia, o arcaico e o moderno. Araújo prefere falar em
"não-identidades", no caso das
três localidades escolhidas, conforme observou o escritor Bernardo Carvalho, colunista da Folha,
agregado ao projeto.
Brasilândia está na cidade mais
rica do país e, no entanto, padece
da falta de infra-estrutura. Está no
centro e na periferia. Brasília, capital do poder, também convive
com paradoxos em índices sociais. Brasiléia sofre as conseqüências de uma cidade fronteiriça, em plena selva amazônica. É
uma área importante de extração
de borracha, mas enfrenta o tráfico de drogas na região compartilhada com o território boliviano.
Tudo está posto no papel. Ora
em diante, com a bússola na mão,
o Teatro da Vertigem sai também
em outra frente, a da captação de
recursos para fazer vingar um espetáculo.
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