São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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TEATRO

Capital européia da cultura encena memórias da imigração na América

Ilusão do Brasil aporta em Gênova

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REDAÇÃO

Gênova é a partida. O Brasil, um dos destinos. No ano em que a cidade portuária italiana vive seu mandato de capital européia da cultura, a imigração é tema, e o país surge como um lugar que inspirou sonhos e tragédias num espetáculo teatral.
Em 1904, um transatlântico sai do porto genovês levando pela segunda vez ao Brasil a atriz Eleonora Duse (1858-1924), àquela altura plenamente realizada.
Na terceiríssima classe, porém, embarcam tragédias pessoais de gente que tenta começar tudo de novo, sonhando com um Eldorado "onde até a água do mar é boa para beber".
Assim é "Partenze" ("Partidas"), peça escrita pelas italianas Alessandra Vannucci e Laura Sicignano, que a cia. italiana Teatro Cargo montará de 8 a 31 de julho, dentro da programação da capital européia da cultura de 2004.
No espetáculo são contadas histórias de imigrações dos séculos 19 e 20, catalisadas pela viagem da "divina" Duse em 1904, segundo Alessandra Vannucci, 33, em entrevista à Folha, por telefone, de Natal, onde passa férias.
"A figura de Duse se tornou interessante para nós; sabe-se que ela está no navio, embora ninguém a veja durante o espetáculo. Ela funciona como uma alegoria da América: mítica, misteriosa, inacessível", diz Vannucci.
O cerne da peça não está na história, mas nas histórias; costuradas cartas de imigrantes que foram a países como Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá etc.
"Pesquisamos por um ano no Arquivo da Memória Popular, em parceria com a Universidade de Gênova, e encontramos cartas vindas de vários países. Há muito material originário do Brasil", diz a dramaturga. "No século 19, o país era para os imigrantes a terra das riquezas proverbiais, o que os Estados Unidos só se tornariam no século 20. Além disso, o Brasil foi precoce ao receber imigrantes italianos, pois já financiava a viagem deles em 1830."
Hoje são conhecidas as histórias de sucesso, mas a frustração era constante. Vannucci recorda a história de um vêneto chamado Bartolo, que partiu para o Brasil com a mulher e oito filhos e surge em carta próxima a 1860.
"Durante a viagem, ele perdeu cinco das crianças, e escreveu ao patrão pedindo-lhe por favor que o acolhesse de volta", afirma a dramaturga. "Nessas cartas, o que há muitas vezes em cada partida é uma sensação de "despartida". O sujeito abandona a terra, mas a lembrança dela é tudo o que ele tem. Muitos acabam carregando consigo essa nostalgia, o que os faz reconstruir a terra em outro lugar, como se vê nas colônias italianas no Sul do Brasil."

"Tu-per-tu"
Para recriar a atmosfera da terceira classe do transatlântico, o espetáculo é montado num espaço industrial desativado num píer de Porto Petroli, sem cadeiras. Os espectadores chegam de barco ao local e são obrigados a "embarcar" e interagir com os atores.
Segundo Vannucci, as histórias dos personagens são apresentadas em "tu-per-tu"; literalmente, cara-a-cara. Em torno de cada ator, formam-se pequenos núcleos simultâneos, de um a quatro espectadores.
"Há cenas em que o ator dita uma carta para o espectador escrever, porque os personagens são na maioria analfabetos ou falam em seus dialetos particulares, às vezes incompreensíveis."
Na metade que lhe cabe de "Partenze", Vannucci reconhece a influência de experiências teatrais que teve no Brasil, onde também trabalha com teatro há sete anos -formada em dramaturgia pela Universidade de Bolonha, fez mestrado em direção teatral na Uni-Rio e participou de montagens nacionais de Giordano Bruno e Dario Fo.
"Essa técnica do "tu-per-tu" é algo que venho desenvolvendo porque me interessa essa dramaturgia que aproxima o público e que tem a ver com a forma de atuar do ator brasileiro, mais expansiva."
E esses laços com o Brasil devem se estreitar ainda mais; a dramaturga acena com um possível "embarque" de "Partenze" rumo ao Rio de Janeiro. "Nós já temos o apoio do Instituto Italiano de Cultura do Rio, o que nos dá a expectativa de encenar a peça lá no primeiro semestre de 2005", afirma.

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