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TEATRO
Capital européia da cultura encena memórias da imigração na América
Ilusão do Brasil aporta em Gênova
MÁRVIO DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Gênova é a partida. O Brasil, um
dos destinos. No ano em que a cidade portuária italiana vive seu
mandato de capital européia da
cultura, a imigração é tema, e o
país surge como um lugar que
inspirou sonhos e tragédias num
espetáculo teatral.
Em 1904, um transatlântico sai
do porto genovês levando pela segunda vez ao Brasil a atriz Eleonora Duse (1858-1924), àquela altura
plenamente realizada.
Na terceiríssima classe, porém,
embarcam tragédias pessoais de
gente que tenta começar tudo de
novo, sonhando com um Eldorado "onde até a água do mar é boa
para beber".
Assim é "Partenze" ("Partidas"), peça escrita pelas italianas
Alessandra Vannucci e Laura Sicignano, que a cia. italiana Teatro
Cargo montará de 8 a 31 de julho,
dentro da programação da capital
européia da cultura de 2004.
No espetáculo são contadas histórias de imigrações dos séculos
19 e 20, catalisadas pela viagem da
"divina" Duse em 1904, segundo
Alessandra Vannucci, 33, em entrevista à Folha, por telefone, de
Natal, onde passa férias.
"A figura de Duse se tornou interessante para nós; sabe-se que
ela está no navio, embora ninguém a veja durante o espetáculo.
Ela funciona como uma alegoria
da América: mítica, misteriosa,
inacessível", diz Vannucci.
O cerne da peça não está na história, mas nas histórias; costuradas cartas de imigrantes que foram a países como Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá etc.
"Pesquisamos por um ano no
Arquivo da Memória Popular, em
parceria com a Universidade de
Gênova, e encontramos cartas
vindas de vários países. Há muito
material originário do Brasil", diz
a dramaturga. "No século 19, o
país era para os imigrantes a terra
das riquezas proverbiais, o que os
Estados Unidos só se tornariam
no século 20. Além disso, o Brasil
foi precoce ao receber imigrantes
italianos, pois já financiava a viagem deles em 1830."
Hoje são conhecidas as histórias
de sucesso, mas a frustração era
constante. Vannucci recorda a
história de um vêneto chamado
Bartolo, que partiu para o Brasil
com a mulher e oito filhos e surge
em carta próxima a 1860.
"Durante a viagem, ele perdeu
cinco das crianças, e escreveu ao
patrão pedindo-lhe por favor que
o acolhesse de volta", afirma a
dramaturga. "Nessas cartas, o que
há muitas vezes em cada partida é
uma sensação de "despartida". O
sujeito abandona a terra, mas a
lembrança dela é tudo o que ele
tem. Muitos acabam carregando
consigo essa nostalgia, o que os
faz reconstruir a terra em outro
lugar, como se vê nas colônias italianas no Sul do Brasil."
"Tu-per-tu"
Para recriar a atmosfera da terceira classe do transatlântico, o
espetáculo é montado num espaço industrial desativado num píer
de Porto Petroli, sem cadeiras. Os
espectadores chegam de barco ao
local e são obrigados a "embarcar" e interagir com os atores.
Segundo Vannucci, as histórias
dos personagens são apresentadas em "tu-per-tu"; literalmente,
cara-a-cara. Em torno de cada
ator, formam-se pequenos núcleos simultâneos, de um a quatro
espectadores.
"Há cenas em que o ator dita
uma carta para o espectador escrever, porque os personagens
são na maioria analfabetos ou falam em seus dialetos particulares,
às vezes incompreensíveis."
Na metade que lhe cabe de "Partenze", Vannucci reconhece a influência de experiências teatrais
que teve no Brasil, onde também
trabalha com teatro há sete anos
-formada em dramaturgia pela
Universidade de Bolonha, fez
mestrado em direção teatral na
Uni-Rio e participou de montagens nacionais de Giordano Bruno e Dario Fo.
"Essa técnica do "tu-per-tu" é algo que venho desenvolvendo porque me interessa essa dramaturgia que aproxima o público e que
tem a ver com a forma de atuar do
ator brasileiro, mais expansiva."
E esses laços com o Brasil devem se estreitar ainda mais; a dramaturga acena com um possível
"embarque" de "Partenze" rumo
ao Rio de Janeiro. "Nós já temos o
apoio do Instituto Italiano de Cultura do Rio, o que nos dá a expectativa de encenar a peça lá no primeiro semestre de 2005", afirma.
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