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MARCELO COELHO
A feiúra das mais belas mulheres do mundo
O que era aquilo? Uma espécie de merengue dentuço,
um coelho da Páscoa atolado no
marshmallow, um carregamento
de ricota embrulhado em celofane? Não. Era Renée Zellweger recebendo o Oscar de atriz coadjuvante, na primeira página da Folha de segunda-feira.
Não é que seja uma mulher
feia. Gostaria de saber o que
acontece: as estrelas de cinema se
tornam verdadeiros buxos na festa do Oscar.
As roupas, certamente, contam
muito. Na correria dos preparativos, muitas atrizes parecem ter se
enrolado na cortina do salão de
beleza e por pouco não entraram
na festa arrastando escovas e secadores de cabelo na cauda do
vestido.
Todos esses vestidos-cortinas
-às vezes franzidos e leves, em
cores claras, outras vezes grossos e
solenes, em veludo verde ou grená- pressupõem o mesmo tipo
de puxador, que é a própria estatueta do Oscar. As atrizes vencedoras seguram o prêmio como se
fosse um pingente; usam em geral
uma faixa larga do mesmo tecido
em torno da cintura, e não raro
há argolas em suas orelhas: são
mulheres-janelas, num dia de
bastante vento.
Poderíamos imaginar esses vestidos como a homenagem do cinema atual aos velhos tempos do
teatro; as luxuosas cortinas que
separavam o palco da platéia ressuscitam em cima daqueles mulherões. Não por acaso, a festa do
Oscar é um dos raros momentos
em que o público pode vê-las em
carne e osso, como no teatro, e
não projetadas na tela do cinema.
Lembro agora que a cena da
cortina virando vestido pertence
a um filme clássico, "E o Vento
Levou...", de modo que o cinema
também se homenageia a si mesmo ao instituir esse tipo de indumentária.
Seja como for, as roupas representam só uma parte da história.
Também o rosto das atrizes, com
raras exceções, piora bastante na
cerimônia do Oscar. A maquiagem lustrosa dá a impressão de
que mesmo as mais jovens estão
sob o efeito de quilos de silicone
nas bochechas; camadas de make-up imitam a espessura de várias plásticas, e o sorriso de todas,
absolutamente igual e simultâneo, parece ter sido acionado por
controle remoto.
Não é apenas efeito da tecnologia cosmética. Nas imagens
transmitidas pela TV, em especial
as da entrada dos concorrentes
no Kodak Theatre, há outros fatores que contribuem para essa
impressão de artificialidade, de
empastamento, de equalização
fisionômica.
As atrizes são televisionadas ao
ar livre, em plena luz do dia: percebo assim o quanto do seu charme nas telas do cinema se deve à
iluminação, aos ângulos da câmera. É provavelmente por isso
que as antigas deusas de Hollywood tinham mais -usemos a
palavra- "glamour". A fotografia em preto-e-branco permitia
um uso de sombras, fumaças e
nuances que o cinema colorido
não comporta; muito menos a
TV, com luz natural.
Ademais, como todas as atrizes
estão nervosas com o veredicto e
se sentem ameaçadas pelo contato direto com os fãs, teriam mesmo de transformar seus rostos em
máscaras sorridentes, em produtos estandardizados. Na hora da
entrega dos prêmios, é pior ainda:
quem perde está obviamente impedido de manifestar qualquer
emoção humana. Tarefa difícil
para atrizes, suponho.
O enfeiamento de todas na festa do Oscar talvez encontre aqui
uma outra razão. Fora das telas,
sem roteiro a seguir, exceto o papelzinho em que estão escritas as
palavras de agradecimento em
caso de vitória, muitas atrizes terminam reduzidas a sua vulgaridade original.
Separadas de suas personagens,
tornam-se pura matéria, coisa
sem espírito, objeto sem forma;
natural, assim, que os vestidos
tratem de acomodá-las em armações descomunais ou de envolvê-las em embalagens frouxas, com
fitas espalhafatosas e laços sobressalentes: cumpre evitar que
todas se desintegrem, desmontem
ou se desfaçam como gelatina sobre o tapete vermelho.
Talvez este artigo pareça fruto
do brio nacional ferido, só porque
"Cidade de Deus" não ganhou
nenhum Oscar. Mas não acho
que deveria. Gostei muito do filme; não sei se cresce ao se aproximar de Hollywood.
Também para evitar o risco da
patriotada, observo que a famosa
beleza da mulher brasileira sofre
muitas vezes um processo análogo de pasteurização. As cenas do
Carnaval são equivalentes às da
entrega do Oscar: mulheres muito bonitas e de grande personalidade ficam todas parecidíssimas,
com a mesma maquiagem, o
mesmo sorriso, a mesma atitude.
De qualquer modo, os casos de
enfeiamento mais extremo são os
que ocorrem na revista "Caras".
O interesse despertado por esse tipo de publicação só pode ser malévolo: trata-se de ver pessoas famosas surpreendidas não apenas
nos tropeços de sua vida particular, mas também nos seus piores
momentos estéticos: bocejos, esgares, olhos arregalados, roupas
absurdas fazem das páginas intituladas "estilo", "agenda" ou coisa que o valha, um verdadeiro catálogo de aberrações. Para quem
não está entre os dez mais, é sempre um consolo.
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