São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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ANÁLISE

Sambista foi exaltado e folclorizado

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Nas décadas de 1970 e 80, Paulinho da Viola gravou três músicas de Walter Nunes. Um nome não muito chamativo, admita-se. Quando jovens de Rio e São Paulo despertaram para a tradição do samba nos anos 90, ele firmou-se como Walter Alfaiate, sendo tão exaltado quanto folclorizado. Cresceu, mas não chegou à estatura merecida.
Sua morte, no último sábado, aos 79 anos, não justifica que se façam queixas da linha "o Brasil não reconhece seus sambistas blá-blá-blá". Seria uma traição a seu bom humor constante. Mas não custa assinalar que Walter não era um alfaiate que cantava. Esse folclore sempre lhe foi injusto.
Era, sim, um bom alfaiate, ofício que exerceu dos 13 aos 78 anos, autoclassificando-se no cartão de visitas "o magnata supremo da elegância moderna". Os ternos que produzia numa salinha de Copacabana davam-lhe prazer e, sobretudo, renda para ajudar os sete filhos. Mas cantar não era um passatempo.
Walter foi um intérprete dos grandes, pois possuía voz potente como a de seus primeiros ídolos (Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas) aliada a um balanço que o filiava à tradição de Cyro Monteiro, Moreira da Silva e Jorge Veiga. São poucos, Roberto Silva e Roberto Ribeiro entre eles, que combinam bem esses dois lados.

Samba de Botafogo
Ainda compunha bem e conhecia profundamente o samba, universo para o qual ajudou a construir uma pequena, mas importante galáxia: o samba de Botafogo.
Nos blocos de Carnaval e nas rodas feitas em bares e quintais do bairro da zona sul carioca, onde Walter nasceu, produziu-se uma linha de samba em tom menor, com letras em que a tristeza predomina, mas em que o humor sobrevive elegante, muitas vezes sarcástico.
O discípulo mais notório dos pioneiros de Botafogo é Paulinho da Viola, crescido no bairro e que gravou "Cuidado, Teu Orgulho te Mata" (Walter/Mauro Duarte), "Coração Oprimido" (Walter/Zorba Devagar), "A.M.O.R. Amor" (Walter/ Mauro Duarte) e várias outras músicas desses autores.
Ele ainda realizou, em 1993, o show "Paulinho da Viola, Walter Alfaiate e os Sambas de Botafogo", além de compor, com Aldir Blanc, "Botafogo, Chão de Estrelas", para Walter gravar em seu primeiro disco, em 1998.
Pois então: foi só com 68 anos que ele conseguiu entrar em estúdio. Em "Olha Aí", pôde registrar seus principais sambas e outros que eram famosos na sua voz, como "Sacode, Carola" (Hélio Nascimento/Alfredo Marques), que cantava nas rodas do Teatro Opinião, nos anos 60, e na boate Bolero, de onde foi crooner nos 70.
Walter ainda pôde lançar "Samba na Medida" (2002), "Tributo a Mauro Duarte" (2005) e desfilar mais algumas vezes pela Portela, escola da qual foi um compositor de apenas relativo destaque. Alegria maior, nos últimos anos, tinha ao ver a garotada da Lapa carioca e da Vila Madalena exaltando-lhe a voz. Quem o via só como um alfaiate engraçado perdeu o melhor Walter.


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