|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Sambista foi exaltado e folclorizado
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Nas décadas de 1970 e 80,
Paulinho da Viola gravou três
músicas de Walter Nunes. Um
nome não muito chamativo,
admita-se. Quando jovens de
Rio e São Paulo despertaram
para a tradição do samba nos
anos 90, ele firmou-se como
Walter Alfaiate, sendo tão exaltado quanto folclorizado. Cresceu, mas não chegou à estatura
merecida.
Sua morte, no último sábado,
aos 79 anos, não justifica que se
façam queixas da linha "o Brasil não reconhece seus sambistas blá-blá-blá". Seria uma traição a seu bom humor constante. Mas não custa assinalar que
Walter não era um alfaiate que
cantava. Esse folclore sempre
lhe foi injusto.
Era, sim, um bom alfaiate,
ofício que exerceu dos 13 aos 78
anos, autoclassificando-se no
cartão de visitas "o magnata supremo da elegância moderna".
Os ternos que produzia numa
salinha de Copacabana davam-lhe prazer e, sobretudo, renda
para ajudar os sete filhos. Mas
cantar não era um passatempo.
Walter foi um intérprete dos
grandes, pois possuía voz potente como a de seus primeiros
ídolos (Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas) aliada a
um balanço que o filiava à tradição de Cyro Monteiro, Moreira da Silva e Jorge Veiga. São
poucos, Roberto Silva e Roberto Ribeiro entre eles, que combinam bem esses dois lados.
Samba de Botafogo
Ainda compunha bem e conhecia profundamente o samba, universo para o qual ajudou
a construir uma pequena, mas
importante galáxia: o samba de
Botafogo.
Nos blocos de Carnaval e nas
rodas feitas em bares e quintais
do bairro da zona sul carioca,
onde Walter nasceu, produziu-se uma linha de samba em tom
menor, com letras em que a
tristeza predomina, mas em
que o humor sobrevive elegante, muitas vezes sarcástico.
O discípulo mais notório dos
pioneiros de Botafogo é Paulinho da Viola, crescido no bairro
e que gravou "Cuidado, Teu Orgulho te Mata" (Walter/Mauro
Duarte), "Coração Oprimido"
(Walter/Zorba Devagar),
"A.M.O.R. Amor" (Walter/
Mauro Duarte) e várias outras
músicas desses autores.
Ele ainda realizou, em 1993,
o show "Paulinho da Viola,
Walter Alfaiate e os Sambas de
Botafogo", além de compor,
com Aldir Blanc, "Botafogo,
Chão de Estrelas", para Walter
gravar em seu primeiro disco,
em 1998.
Pois então: foi só com 68
anos que ele conseguiu entrar
em estúdio. Em "Olha Aí", pôde
registrar seus principais sambas e outros que eram famosos
na sua voz, como "Sacode, Carola" (Hélio Nascimento/Alfredo Marques), que cantava nas
rodas do Teatro Opinião, nos
anos 60, e na boate Bolero, de
onde foi crooner nos 70.
Walter ainda pôde lançar
"Samba na Medida" (2002),
"Tributo a Mauro Duarte"
(2005) e desfilar mais algumas
vezes pela Portela, escola da
qual foi um compositor de apenas relativo destaque. Alegria
maior, nos últimos anos, tinha
ao ver a garotada da Lapa carioca e da Vila Madalena exaltando-lhe a voz. Quem o via só como um alfaiate engraçado perdeu o melhor Walter.
Texto Anterior: Categoria tenta recuperar moral dos anos 50 a 70 Próximo Texto: Cultura exibe "Ensaio" com sambista Índice
|