São Paulo, terça, 3 de março de 1998

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Carl Stephenson, a pureza maculada

da Reportagem Local

Não, "Forest for the Trees" não é um disco beneficente para salvar as arvorezinhas da floresta. Apesar do nome, trata-se do mais descarado subproduto da era Beck na música pop mundial. Além de nome de CD, Forest for the Trees é a banda-projeto do multimúsico Carl Stephenson, o homem que co-produziu "Mellow Gold" (94), álbum de estréia de Beck.
Não é pouco. Beck é o Chico Science de lá, o cara que se aproveitou de todas as variáveis de "música de raiz" que encontrou pela frente para produzir algo que se pudesse chamar "pop universal". Stephenson é responsável por muito disso tudo, a partir de "Loser", canção-emblema de Beck.
Pois bem, ele poderia ser acusado de tornar caricatura o padrão, pela afoiteza com que se atira a gaitas de fole e cítaras para conferir tons pseudoancestrais, ora escoceses, ora indianos, a seu "pop universal". Não é simples assim.
"Forest for the Trees" foi gravado em 92 -depois que Beck e Carl se conheceram, mas antes do advento de "Loser". Uma história trágica se interpõe: após a gravação, Stephenson foi acometido de um tipo de síndrome de pânico e gasta hoje seu tempo em intermitentes internações hospitalares.
Um dos amalgamadores do pop de virada de século pode ter abortado prematuramente ("eu sou uma pintura", prefigura em "Wet Paint"), o que de novo repete um padrão -pense em Brian Wilson, Syd Barrett, Arnaldo Baptista, Nick Drake, Chico Science.
Dadas as cronologias, Carl não é Beck estereotipado. Beck é que pode ser a evolução de Stephenson, ou um Carl que deu certo. Se for assim, é ocioso decretar que "Forest for the Trees" não alcança os calcanhares dos piores produtos de Beck. Melhor pensar em Carl como se a revolução de Beck nunca houvesse acontecido.
O que se tem então é um álbum que atira para tantas direções quanto permita o panorama multifacetado do pós-moderno. Acerta muitos alvos, erra outros tantos.
Comete, por exemplo, um tecno de vanguarda, "You Create the Reason" (você cria a razão/ para sua existência/ cria a razão/ para sua existência", proclama, num pós-Jorge Ben fase alquimista).
Volta a parecer europeu em "Green Light Street", muito parecida com o lado pop de Brian Eno, tipo "King's Lead Hat" (77), e em "Planet Unknown", seu comentário a "Technique" (89), do New Order. Traz um rapazinho então desconhecido, chamado Beck, para tocar gaita folk em "Fall".
Está feito aí: não existe mais lugar para Bob Dylan no mundo. Toda pureza foi maculada, é a era do caos. Irregular, "Forest for the Trees" nunca deixa de ser belo documento do caos. (PAS)

Disco: Forest for the Trees Lançamento: Dreamworks/Universal Quanto: R$ 18, em média


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