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Maior bienal do Oriente Médio espelha a crise
Região revê ambição de ser novo centro da arte; construção de filiais do Guggenheim e do Louvre está sob ameaça
Mostra de Charjah vai até maio nos Emirados Árabes, com curadoria da portuguesa Isabel Carlos; artistas desta edição exploram o silêncio
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A CHARJAH E DUBAI
Cinco vezes por dia, os chamados à reza quebram o silêncio de Charjah, emirado vizinho a Dubai, espécie de primo
pobre à sombra de suas torres
alucinantes de ferro e vidro. É
uma comoção programada, indecifrável a ouvidos ocidentais,
que acompanha a trilha sonora
de música estridente do porto.
No pátio de uma construção
à beira do golfo Pérsico, 44 alto-falantes berram por silêncio. É
o sibilo que acompanha o gesto
de levar o dedo indicador aos
lábios, som sem sexo nem idade, que os brasileiros Valeska
Soares e a dupla O Grivo gravaram para a instalação que mostram na 9ª Bienal de Charjah.
"Muito aqui é não dito, muito
se cala", diz a portuguesa Isabel
Carlos, 47, curadora da mostra.
"Aqui, você fica atento ao som."
Na cidade onde as crianças
ainda jogam bola na rua e as
mesquitas, na hora marcada,
acumulam pilhas de sapatos
nas portas -sinais de vida real
ausentes de Dubai-, acontece
o mais importante evento de
arte contemporânea do Oriente Médio, marcado para coincidir com a Art Dubai, feira de arte no emirado mais rico, encerrada há duas semanas, que em
tudo contrasta com a vida e a
arte ditas mais verdadeiras.
Na febre construtiva que só
arrefeceu com a crise econômica, os Emirados Árabes Unidos
colecionam projetos de arquitetos estrelados e planejam
abrigar em Abu Dhabi filiais do
Guggenheim e do Louvre, um
projeto de Tadao Ando e uma
sala de concertos de Zaha Hadid -esta última suspensa por
causa da escassez de crédito.
Não é segredo, também, que
muito mais deve parar em breve. Os canteiros de obra, antes
com operários estendendo turnos madrugada adentro, agora
andam vazios, e carros abandonados juntam pó nas ruas fervilhantes de Charjah e Dubai.
Grito silencioso
Por isso, os sussurros. Incomodados com a certeza do fim,
artistas da Bienal fizeram obras
caladas, ou jogaram com o som
numa terra que alardeia bonanças e disfarça protestos.
Sheela Gowda, artista indiana entre as mais reconhecidas
no cenário internacional, montou uma rede de canos de ferro,
labirinto em que cada ponta
emite versos e frases em línguas desconhecidas, quase
inaudíveis de tão baixo.
Do lado
de fora do museu, transformou
uma rua da cidade desértica em
espelho d'água: um grito silencioso, denúncia da ostentação
tão cara aos príncipes e sultões.
No subsolo do museu, numa
sala quase escondida do público, outro tumulto afônico. O
britânico David Spriggs desenhou um ciclone gigantesco em
160 camadas de acrílico, como
se congelassem a força do furacão.
"Gosto da ideia de uma forma muito bela, que é ao mesmo
tempo destrutível", diz Spriggs,
30. "É um símbolo dessa região,
tem a ver com esse momento."
Mais feroz, a polonesa Agnes
Janich criou um labirinto de
cães. Latidos orientam os visitantes por corredores que terminam em projeções de cachorros mostrando os dentes.
Seria uma alusão à maneira
como animais foram melhor
tratados do que as vítimas do
Holocausto detidas em Auschwitz, mas aqui remete às mordaças do dia a dia, das burcas ao
controle quase total do Estado
sobre a imprensa e a cultura.
É o esforço sem trégua de
criar para o mundo uma imagem que se esfacela diante de
quem abre os olhos. Nada mais
contundente nesse sentido do
que a instalação da italiana Lara Favaretto: um cubo branco
feito de confete, perfeito à distância, mas que, visto de perto,
está prestes a desmoronar.
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da
Bienal de Charjah
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