São Paulo, sábado, 03 de abril de 2010

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RODAPÉ LITERÁRIO

Tempo espremido


Contos de Diógenes Moura utilizam concisão do curta-metragem para compor relatos sobre a gratuidade


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"FICÇÃO Interrompida", de Diógenes Moura, é uma sucessão de pequenos relatos urbanos protagonizados por figuras anônimas ou indicadas apenas pelas iniciais e pelo "nome de guerra". A ação muitas vezes começa "in media res" ("no meio das coisas", na expressão latina para a narrativa que se inicia no meio história): "Então veio a agonia"; "Não sobrou nada" -assim começam duas dessas 40 ficções com imagens elípticas.
Como em seu livro anterior -"Drão de Roma (Dezembro Caiu)", cujos poemas foram deflagrados por um assalto no Pelourinho, em Salvador-, os microcontos de "Ficção Interrompida" partem de episódios supostamente reais em Recife, São Paulo, Brasília e no Recôncavo Baiano, conforme indicado num glossário final.
Esse glossário tem função irônica: deveria criar um pacto de verdade segundo o qual o olhar atônito do narrador-autor procura fazer jus à gratuidade incompreensível de cenas testemunhadas ou lidas no noticiário (como o trapezista que começa balançando-se no circo como um "pontinho de carne e poesia" para, na sequência seguinte, forrar o chão de vermelho com sua carne esfacelada por uma saraivada de balas).
Mas a contextualização torna ainda mais opacas essas vivências sem lastro de realidade, lançadas na descontinuidade da ação isolada.
A prosa de Moura se aproxima, pela crueza, do hiper-realismo que caracteriza parte da literatura brasileira contemporânea, mas dela se distancia pela ausência de marcas sociais. Ausência que talvez seja a marca social de nosso tempo: existências interrompidas, corpos confinados no "tempo espremido" -daí a referência do subtítulo, "Uma Caixa de Curtas", à estética do curta-metragem, que renuncia à causalidade das grandes narrativas.
Alguns episódios são familiares ao espectador de nossas tragédias -como a entrevista com o homem que trocou a fechadura do apartamento do qual foi atirada a menina Isabella Nardoni. Mas o que ficará desse relato, quando as manchetes se apagarem da memória coletiva, é o anônimo acuado pelas câmeras enquanto contempla a boneca que simula a vítima sendo jogada pela janela.
Da mesma maneira, o que sobrará da descrição das fotografias que o glossário informa serem de Marilyn Monroe, antes e depois da morte, é menos o frisson midiático do que a melancolia infinita de uma mulher qualquer que se assujeita ao desejo alheio. Curador de fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Diógenes Moura confere a seus instantâneos de sexo, violência e perversão um êxtase fugaz, momentos antes que a vida se transforme num clichê inanimado e mórbido.


FICÇÃO INTERROMPIDA (UMA CAIXA DE CURTAS)

Autor: Diógenes Moura
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 36 (112 págs.)
Lançamento: 10 de abril, às 11h, na Pinacoteca do Estado (Praça da Luz, 2, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/3224-1000)
Avaliação: ótimo




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