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São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998
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Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Comemorar o quê, cara pálida?
Índios declaram guerra simbólica contra festejos oficiais dos
500 anos do Brasil
ARMANDO ANTENORE da Reportagem Local De um lado, um monumento comemorativo, tão luminoso quanto o mármore branco que deverá revesti-lo. Do outro, um ritual de cura para um país doente. São os vértices opostos do mesmo marco, os 500 anos da chegada de Pedro Álvares Cabral à costa baiana. O governo brasileiro avista a data com olhos eloquentes. Defende que o desembarque dos portugueses na terra nova acabou provocando a fusão benéfica de duas culturas. E que, da confluência entre índios e europeus, brotou uma nação singular e criativa, marcada pela cordialidade racial. Daí o monumento -uma reverência às velas que trouxeram os navios lusitanos. Por ora, não saiu do papel, mas a idéia é inaugurá-lo até o ano 2000 no istmo que liga a praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália (litoral sul da Bahia), ao atol onde se rezou a primeira missa do país. A obra fará parte de um empreendimento muito maior, o Memorial do Encontro, que leva a assinatura do arquiteto Wilson Reis Netto. Trata-se de um complexo turístico e cultural, com museu, pátio jesuítico e a réplica de uma taba. Pretende evocar, entre outros emblemas, a índole hospitaleira dos índios, "que receberam os visitantes como se os estivessem esperando há tempos", e a tecnologia que possibilitou as viagens marítimas de Portugal. A Comissão Nacional para as Comemorações do 5º Centenário do Descobrimento do Brasil, constituída por representantes dos três poderes, homologou o projeto e é sua maior entusiasta. Ironicamente, o memorial que celebrará a colonização vai se erguer sobre terra indígena. A região da Coroa Vermelha pertence à tribo dos pataxós e acaba de passar pelo longo processo da demarcação. Sem ver graça na ironia, os índios querem contar outra história. Não avalizam a concepção idílica do "encontro" entre culturas. Preferem falar em "choque". Não gostam da palavra "descobrimento". Recomendam trocá-la por "invasão". Acreditam que a comitiva de Cabral transportava um espírito ruim, que aportou junto com os marinheiros, permitiu o massacre de milhões de nativos e ainda hoje toma conta do país, manchando-o de corrupção e desarmonia. Não há, portanto, razão para festa. É preciso exorcizar o mal. Daí o ritual de cura, que deverá acontecer já em abril, também na Coroa Vermelha. A cerimônia -idealizada por Kaka Werá Jecupé, um índio de origem txucarramãe- terá a participação dos pataxós e de outros povos do Nordeste e do Xingu (MT). Alimentando os dois pontos de vista, tanto o do governo quanto o dos indígenas, está a angústia de sempre: o que, afinal, é o Brasil? Na Coroa Vermelha, sob o sol da Bahia, dar esta ou aquela resposta significa tomar partido em uma guerra, mesmo que simbólica. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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