São Paulo, quarta-feira, 03 de maio de 2000


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Ministério propõe produção de filmes, com incentivo fiscal, por emissoras
Governo quer entregar cinema nacional às TVs

Divulgação
Angélica em "Zoando na TV", co-produzido pela Globo Filmes


DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

O governo federal quer que as emissoras de TV passem a produzir filmes usando recursos de incentivos fiscais. O governo argumenta que a televisão foi a única atividade audiovisual nacional que deu certo. Assim, poderia transformar o quase artesanal cinema brasileiro em uma indústria. A Globo é a única emissora preparada para fazer filmes.
A idéia, do ministro Francisco Weffort (Cultura), já foi apresentada ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Para tanto, o ministro quer abrir às redes de TV o principal mecanismo de financiamento do cinema nacional: a Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93), que dá incentivo fiscal às empresas que investem em filmes. Ou seja: o governo quer que as redes de TV passem a produzir filmes usando recursos públicos, via renúncia fiscal.
"Nós queremos que a nova Lei do Audiovisual não se limite apenas aos produtores independentes, que não exclua as empresas de rádio e TV", afirma Weffort.
Apresentada há duas semanas a um grupo de profissionais de cinema (que compõem a Comissão do Cinema Brasileiro, órgão consultivo do Ministério da Cultura), a notícia caiu como uma bomba. Alguns membros da comissão até cogitaram abandonar o cargo.
Cineastas e produtores independentes -aqueles que não têm vínculos com grupos de comunicação- temem que não terão como competir com a TV, que as emissoras irão absorver quase todos os recursos disponíveis.
Acreditam que, com a entrada da TV na produção cinematográfica, haverá uma mudança radical no perfil dos filmes realizados: saem as obras autorais e entram subprodutos televisivos, produções populares com Xuxa, Renato Aragão, Angélica, Gugu Liberato, Eliana, Ratinho ou Tiazinha.
Para produtores e cineastas, a mudança significa a "segunda morte do cinema nacional" -a "primeira" foi a extinção da estatal Embrafilme, em 1990, por Fernando Collor de Mello.
"É evidente que o produtor independente não vai ter força nenhuma diante da televisão, que irá produzir o óbvio, reduzindo tudo a um nível de mediano para baixo", diz o diretor Carlos Reichenbach ("Dois Córregos").
Hoje, pela Lei do Audiovisual, só os produtores independentes podem captar recursos junto a empresas para produzir filmes.
A televisão pode até participar, mas como patrocinadora ou co-produtora. É o caso da Globo Filmes, braço cinematográfico da Globo, criada em 1997, que co-produziu apenas cinco filmes.
Agora, o governo quer que as TVs também captem recursos. Ao bater na porta das empresas, o produtor independente encontrará um concorrente mais forte, uma vez que as redes podem oferecer maior visibilidade aos investimentos das empresas. As emissoras consultadas pela Folha demonstraram desconhecer a proposta do governo.
"Não se trata de concorrência desleal. Simplesmente não há como concorrer com a televisão", afirma o cineasta Augusto Sevá (do documentário "Abrolhos"), membro da comissão de cinema.
Em vigor desde 93, a atual fórmula de financiamento do cinema nacional realizou cerca de 120 filmes. Mas, para o governo, não foi capaz de implantar uma indústria, com produção em escala e, consequentemente, ocupação de salas, bilheteria e lucro.
A reforma da Lei do Audiovisual está sendo comandada pelo secretário nacional do Audiovisual, José Álvaro Moisés. Segundo ele, em julho deverá ser enviado ao Congresso um projeto de lei, que antes será discutido com os profissionais da área.
Na nova versão, além da abertura às redes de TV, o governo defende que a política de incentivos continue até 2023 (pela atual lei, acaba em 2003), a criação de fundos geridos por bancos e de uma taxa compulsória sobre as empresas que importam filmes, entre outras medidas (veja quadro).
Segundo Moisés, deverão ser criados mecanismos de compensação aos produtores independentes. Metade dos recursos captados pelas TVs teriam de ser terceirizados. O dinheiro da taxa compulsória iria para os produtores independentes.
O governo conta com o apoio de cineastas e produtores em todas as mudanças, menos na que abre a captação de recursos para as TVs. Para o produtor Luiz Carlos Barreto, a proposta do governo "não passa de balão de ensaio".



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