São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2001

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Militância editorial

Professor aposentado da USP e editor da Perspectiva Jacó Guinsburg lança dois livros sobre teatro este ano; o primeiro investiga o conflito de stanislavski e Meyerhold

Luiz Carlos Murauskas
O editor Jacó Guinsburg


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Convidado por Alfredo Mesquita a substituir Décio de Almeida Prado nas aulas de crítica teatral na USP, há quase quatro décadas, Jacó Guinsburg, 79, nunca mais dissociaria o incipiente ofício de editor do universo acadêmico que lhe fora descortinado.
Tampouco desprezaria, daí em diante, a arte de representar, aquela que desde a juventude aprendeu a olhar com olhos livres e, ato contínuo, reflexivos.
Mais dois livros de sua autoria, um no forno, para o mês que vem, e outro em elaboração, para o segundo semestre, são exemplos da deferência com a qual o teatro é tratado na Perspectiva, alento para um mercado nacional diminuto em publicações afins.
Guinsburg está à frente da editora paulista fundada há 36 anos. Desta vez, ele persevera com "Stanislavski, Meierhold e Cia.", livro que analisa o movimento teatral que tomou conta da ex-União Soviética (atual Rússia) nas primeiras três décadas do século 20.
"Stanislavski, Meierhold e Cia." esquadrinha o pensamento de dois nomes-chave do teatro russo: Constantin Stanislavski (1863-1938), que criou o Teatro de Arte de Moscou, em 1897, e legou uma metodologia para o trabalho do ator, e Vsevolod Meyerhold (1874-1940?), que foi discípulo do primeiro, mas trilhou caminho próprio com ênfase na "biomecânica", técnica de interpretação centrada na plasticidade estática ou em movimento

Estética e teoria
Em seguida, Guinsburg pretende lançar "Da Cena em Cena", reunião de artigos sobre estética e teoria, nos quais analisa questões do teatro contemporâneo, do ator à crítica, passando pela dramaturgia do absurdo, leia-se Beckett, Ionesco e cia.
Ambos os livros, pela Perspectiva, naturalmente, expõem o ensaísta, face que melhor traduz a filosofia de Guinsburg.
A Perspectiva soma cerca de 700 títulos publicados conforme o escaninho de 14 coleções, invariavelmente voltadas para a produção ensaística, aquela com largo pé na universidade, contemplando arte, literatura, filosofia, linguística e ciências humanas.
Entre as coleções que deram mais visibilidade para a editora paulista estão a Debates (que já publicou Umberto Eco, Roman Jakobson, Tzvetan Todorov etc); Estudos (títulos nas áreas de filosofia, psicanálise, semiótica, arquitetura etc); e Signos, dirigida pelo escritor Haroldo de Campos, cuja concepção gráfica e textual destina-se à produção poética de vanguarda.

Leque de interesses
A essa altura, cristalizou-se aqui o espectro da atuação intelectual e, por que não, artística do editor. "Não tive uma formação sistemática, sempre me interessei por muitas coisas ao mesmo tempo, como literatura, teatro e pintura", afirma.
O leque cresceu nos dez anos em que trabalhou na Difusão Européia do Livro (Difel), editora que lhe proporcionou bolsa para estudar em Paris (1963).
Ele conferiu in loco o fértil período de consolidação do teatro do absurdo, capitaneado pelas peças de Ionesco e Beckett. Também viu espetáculos da Comédie Française e do Teatro Nacional Popular da França, este dirigido por Jean Vilar.
Paralelamente, experimentou sociedades semi-amadoras em pequenas editoras, como a Rampa (1958). Com a fundação da Perspectiva, em 1965, Guinsburg, apoiado por grupo de amigos, finalmente colocou em prática aquilo que ambicionava: uma editora que preenchesse a escassa produção bibliográfica com visada universitária.
"A linha geral do programa pensado para a editora, ainda que fosse a linha mais cara, enfim, o chute inicial, foi mantida", diz Guinsburg. "Não somos uma editora de grandes lances, não porque não saibamos das coisas, a virgindade foi perdida há muito tempo", afirma o editor.
"Seguimos uma ordem cultural que não é ideológica, quer política ou artisticamente, ainda que muitos digam que somos uma editora concretista." A semiótica tem boa acolhida na casa, com autores como os irmãos Campos e Décio Pignatari.

Déficit intelectual
O norte dado à Perspectiva veio, em boa parte, das aulas epistemológicas que o filósofo Anatol Rosenfeld ministrava na casa de Guinsburg, de meados dos anos 50 até 1969. Foi quando se deu conta do déficit intelectual do mercado editorial, em gritante contraste com a voga européia, por exemplo.
Nascido na Bessarábia, região da atual República da Moldova (Leste Europeu), Jacó Guinsburg chegou ao Brasil na década de 20.
Casou-se há 48 anos com a física Gita, que dirige a coleção de ciências, a Big Bang. Tiveram dois filhos, dois netos.
Professor titular aposentado do departamento de artes cênicas da USP, no qual atualmente orienta o mestrado do diretor Antônio Araújo (Teatro da Vertigem, "Apocalipse 1,11") e o doutorado da encenadora Beth Lopes ("O Cobrador", "Em Algum Lugar"), entre outros, Guinsburg assume a sua "militância editorial", cuja estratégia é lançar o que, acredita, contribuirá para a formação intelectual do brasileiro, em contraponto ao descaramento comercial que tomou conta do mercado, e de tudo mais.


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