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FOTOGRAFIA
Artista húngaro registra o cotidiano em retrospectiva com 185 imagens do período em que viveu na França
Kertész busca a beleza da vida em Paris
EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA
O 5º Mês Internacional da Fotografia chega hoje à sua noite de
gala com a abertura da exposição
"Ma France", do fotógrafo húngaro André Kertész (1894-1985), às
19h, no Conjunto Cultural da Caixa, em São Paulo.
Organizado pelo Nafoto (Núcleo dos Amigos da Fotografia), o
"mês" está espalhando mais de 60
exposições de fotografia pela cidade. A mostra de Kertész, até então inédita no Brasil, é, segundo
sua organização, o carro-chefe do
evento.
Não é à toa. Kertész, junto com
os franceses Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau, forma a
trinca de fotógrafos que se notabilizaram pela capacidade de extrair
composições poéticas das cenas
mais corriqueiras do cotidiano.
Mais que beleza e poesia, construíram, a partir de suas míticas
câmeras Leica, uma espécie de
crônica social humanista e romântica.
E coube a Kertész ser o primeiro
dos três a palmilhar rua por rua de
Paris, entre 1925 e 1936, fotografando sistematicamente sombras
que se espichavam no final da tarde, reflexos na rua molhada, cafés,
a torre Eiffel, as margens do Sena
e personagens da cidade-luz.
"Depois da época pictorialista,
durante a qual praticaram uma
fotografia preciosa e erudita, os
fotógrafos reagiram aos excessos
de efeitos vaporosos e outros maneirismos, criando estéticas modernas, "buscando a beleza da vida'", explica no catálogo da mostra Pierre Bonhomme, do Patrimônio Fotográfico Francês, ao
qual Kertész doou, ainda em vida,
todos os seus originais.
Kertész é considerado um dos
pioneiros do fotojornalismo. Realizou reportagens para publicações européias e americanas. "Ma
France" mostra trabalhos que ele
fez para esses veículos, ao lado de
seus registros que deveriam ser
considerados mais autorais.
Contudo o que se percebe claramente é que o fotógrafo de imprensa e o artista eram um só.
Tanto num como noutro trabalho, Kertész mantém a coerência
de seu estilo sofisticado com composições simples e reveladoras.
Realizada por encomenda e
marco da sua produção artística,
a série "Distorções", feita para o
jornal "Le Sourire" entre 1933 e
1934, é o grande destaque de "Ma
France".
Nessa série foram fotografados
corpos de mulheres nuas deformados por espelhos côncavos e
convexos. Nada mal para um contemporâneo de Man Ray. O resultado é de grande plasticidade.
Mesmo beirando o grotesco, como nessas distorções, Kertész sabia conferir dignidade e leveza à
sua obra.
Mas a maior parte de "Ma France" mostra um Kertész apaixonado pelo prazer de flanar por Paris
na primeira metade do século
passado.
A impressão que temos ao ver
sua produção é a de que ele caminhava compulsivamente pelas
ruas procurando imagens como
um caçador fareja sua caça.
Ao encontrar a imagem-caça, o
fotógrafo agia rapidamente para
aprisionar o objeto de sua visão
nas quatro linhas que delimitavam o visor de sua Leica. De estilo
clássico, Kertész compunha habilmente com linhas que cortavam o quadro na diagonal.
O fotógrafo viveu num período
de grande efervescência cultural
em Paris. Foi amigo de poetas e
pintores. Entre esses últimos,
Mondrian e Chagall aparecem em
retratos feitos pelo amigo.
Mondrian também teve seu
apartamento fotografado. Numa
das fotos, é curioso notar que o
apartamento de Mondrian era todo composto por retângulos, lembrando suas célebres composições, que se tornariam marco da
pintura moderna anos depois.
Como a maioria das retrospectivas, "Ma France" carece de coerência na edição. Por vezes as 185
imagens aparecem em sequência
cronológica para em seguida se
reagruparem por temas, o que
quebra um pouco o ritmo da
mostra.
Patrocinada pela Aliança Francesa e pela Caixa Econômica Federal, "Ma France" excursionará
por Recife e Brasília.
Ainda hoje, no mesmo horário,
será inaugurada a exposição "Álbum de Viagem", do fotógrafo e
etnólogo franco-brasileiro Pierre
Verger (1902-1996), em sala ao lado da mostra de André Kertész.
Entre 35 fotografias inéditas de
Verger, constam registros feitos
em viagens (aos EUA, à África, ao
Peru) e em Salvador, cidade onde
morou durante 50 anos. No mesmo espaço, ainda poderão ser vistas instalações dos fotógrafos
Paulo Angerami e Neide Jallageas.
MA FRANCE - ANDRÉ KERTÉSZ
- Vernissage: hoje, para convidados, às
19h. Quando: de seg. a sex., das 10h às
16h; até 15.jun. Onde: Conjunto Cultural
da Caixa (praça da Sé, 111, 3º andar, tel.
0/xx/11/3107-0498).
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