São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2001

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FOTOGRAFIA

Artista húngaro registra o cotidiano em retrospectiva com 185 imagens do período em que viveu na França

Kertész busca a beleza da vida em Paris

EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

O 5º Mês Internacional da Fotografia chega hoje à sua noite de gala com a abertura da exposição "Ma France", do fotógrafo húngaro André Kertész (1894-1985), às 19h, no Conjunto Cultural da Caixa, em São Paulo.
Organizado pelo Nafoto (Núcleo dos Amigos da Fotografia), o "mês" está espalhando mais de 60 exposições de fotografia pela cidade. A mostra de Kertész, até então inédita no Brasil, é, segundo sua organização, o carro-chefe do evento.
Não é à toa. Kertész, junto com os franceses Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau, forma a trinca de fotógrafos que se notabilizaram pela capacidade de extrair composições poéticas das cenas mais corriqueiras do cotidiano.
Mais que beleza e poesia, construíram, a partir de suas míticas câmeras Leica, uma espécie de crônica social humanista e romântica.
E coube a Kertész ser o primeiro dos três a palmilhar rua por rua de Paris, entre 1925 e 1936, fotografando sistematicamente sombras que se espichavam no final da tarde, reflexos na rua molhada, cafés, a torre Eiffel, as margens do Sena e personagens da cidade-luz.
"Depois da época pictorialista, durante a qual praticaram uma fotografia preciosa e erudita, os fotógrafos reagiram aos excessos de efeitos vaporosos e outros maneirismos, criando estéticas modernas, "buscando a beleza da vida'", explica no catálogo da mostra Pierre Bonhomme, do Patrimônio Fotográfico Francês, ao qual Kertész doou, ainda em vida, todos os seus originais.
Kertész é considerado um dos pioneiros do fotojornalismo. Realizou reportagens para publicações européias e americanas. "Ma France" mostra trabalhos que ele fez para esses veículos, ao lado de seus registros que deveriam ser considerados mais autorais.
Contudo o que se percebe claramente é que o fotógrafo de imprensa e o artista eram um só. Tanto num como noutro trabalho, Kertész mantém a coerência de seu estilo sofisticado com composições simples e reveladoras.
Realizada por encomenda e marco da sua produção artística, a série "Distorções", feita para o jornal "Le Sourire" entre 1933 e 1934, é o grande destaque de "Ma France".
Nessa série foram fotografados corpos de mulheres nuas deformados por espelhos côncavos e convexos. Nada mal para um contemporâneo de Man Ray. O resultado é de grande plasticidade. Mesmo beirando o grotesco, como nessas distorções, Kertész sabia conferir dignidade e leveza à sua obra.
Mas a maior parte de "Ma France" mostra um Kertész apaixonado pelo prazer de flanar por Paris na primeira metade do século passado.
A impressão que temos ao ver sua produção é a de que ele caminhava compulsivamente pelas ruas procurando imagens como um caçador fareja sua caça.
Ao encontrar a imagem-caça, o fotógrafo agia rapidamente para aprisionar o objeto de sua visão nas quatro linhas que delimitavam o visor de sua Leica. De estilo clássico, Kertész compunha habilmente com linhas que cortavam o quadro na diagonal.
O fotógrafo viveu num período de grande efervescência cultural em Paris. Foi amigo de poetas e pintores. Entre esses últimos, Mondrian e Chagall aparecem em retratos feitos pelo amigo.
Mondrian também teve seu apartamento fotografado. Numa das fotos, é curioso notar que o apartamento de Mondrian era todo composto por retângulos, lembrando suas célebres composições, que se tornariam marco da pintura moderna anos depois.
Como a maioria das retrospectivas, "Ma France" carece de coerência na edição. Por vezes as 185 imagens aparecem em sequência cronológica para em seguida se reagruparem por temas, o que quebra um pouco o ritmo da mostra.
Patrocinada pela Aliança Francesa e pela Caixa Econômica Federal, "Ma France" excursionará por Recife e Brasília.
Ainda hoje, no mesmo horário, será inaugurada a exposição "Álbum de Viagem", do fotógrafo e etnólogo franco-brasileiro Pierre Verger (1902-1996), em sala ao lado da mostra de André Kertész. Entre 35 fotografias inéditas de Verger, constam registros feitos em viagens (aos EUA, à África, ao Peru) e em Salvador, cidade onde morou durante 50 anos. No mesmo espaço, ainda poderão ser vistas instalações dos fotógrafos Paulo Angerami e Neide Jallageas.


MA FRANCE - ANDRÉ KERTÉSZ - Vernissage: hoje, para convidados, às 19h. Quando: de seg. a sex., das 10h às 16h; até 15.jun. Onde: Conjunto Cultural da Caixa (praça da Sé, 111, 3º andar, tel. 0/xx/11/3107-0498).



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