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Em "Gênio", o crítico literário americano seleciona "cem mentes criativas exemplares"
A taxonomia de Harold Bloom
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Poucos livros na história da crítica literária mundial causaram
tanto barulho quanto "O Cânone
Ocidental". Lançado em 1994, o
trabalho no qual Harold Bloom,
72, delimitava as linhas mestras
da literatura do nosso velho Oeste
escalou o topo das listas de best-sellers e rendeu ao veterano ensaísta nova-iorquino um corredor
polonês de tapas e beijos.
Bloom entrara no sempre perigoso território das listas e traçara
o caminho das letras ocidentais,
da Bíblia a Samuel Beckett, com
ensaios sobre 26 autores.
Faltou Balzac, disseram uns.
Quedê Rilke?, reclamaram outros.
Queremos Poe!
Cada crítico do planeta, quase,
clamou por algum nome não
mencionado. Bloom rebateu com
um: "Fiz a minha seleção. Que façam os outros as suas". Nada de
peso apareceu no front, até que,
no final do ano passado, o mesmo
Bloom reapareceu com outra aula
de taxonomia.
No livro mais volumoso de seus
quase 30 títulos, mais de dez deles
lançados no Brasil, listou não 26,
mas cem nomes, distribuídos no
que chamou de "um mosaico de
uma centena de mentes criativas
exemplares". Entre eles, um dos
nossos, Machado de Assis.
"Gênio", nome do catatau de
quase 900 páginas, agora chega ao
português, língua também contemplada com as "eleições" dos
lusitanos Fernando Pessoa, Eça
de Queirós e Camões.
A editora Objetiva coloca nas
prateleiras na quinta-feira esta espécie de "cânone" revisado que o
ensaísta escreveu em "dois anos
de trabalho pesado".
O crítico literário mais famoso
do mundo, queiram ou não seus
detratores, atendeu ao telefonema
da Folha para conversar sobre a
obra, lançada em outubro do ano
passado, no exato dia em que ele
passou por uma delicada operação cardíaca.
Dentro de seu coração, diz o
professor de Yale desde 1959, estavam sobretudo três dos cem
"gênios" de seu novo livro: "Cervantes, o primeiro romancista,
Dante, o poeta supremo, e Shakespeare, a divindade secular. Estes são os favoritos".
Apesar de começar o livro com
o autor de "Hamlet", "Gênio" não
é organizado como um ranking,
do maior ao menor.
Judeu gnóstico, como se define,
e veterano estudioso da cabala
-sistema filosófico-religioso judaico de origem medieval-, tema de livros seus como "A Cabala
e a Crítica" (Imago), Bloom ordenou seus luminares de acordo
com os "sefirots", esferas cabalares que representam os atributos
divinos no humano.
Eles são dez, cada um com suas
características, e é ao redor disso
que juntou no mesmo agrupamento, por exemplo, Machado de
Assis, Flaubert, Italo Calvino,
Borges e Eça de Queirós.
"É uma classificação quase aleatória", reconhece, com sua voz rotunda e calma, o ensaísta.
Não foi apenas nessas margens
que ele apoiou sua escalação genial. "Fiz questão de não incluir
escritores vivos. Seria muito complicado, já que conheço uma
imensidão deles."
Mas existem gênios vivos? "Alguns", responde Bloom, elencando os romancistas americanos
Philip Roth, Thomas Pynchon,
Corman McCarthy, a poeta canadense Anne Carson, o colombiano García Márquez e José Saramago, "o mais talentoso romancista da atualidade".
A "geopolítica" dos gênios vivos, quatro de língua inglesa, dois
do resto do mundo, é semelhante
à empregada por ele no livro.
Da centena de perfilados, metade se expressou na língua de Shakespeare (31 do Reino Unido, 18
dos Estados Unidos e um de ambos, T. S. Eliot -que põe na lista,
mas trata por "execrável"). O
francês (11) e o alemão (8) ficam
com o segundo posto.
Em termos históricos, nenhum
século produziu mais "mentes
brilhantes" que o 19, onde atuaram cerca de 40 dos eleitos de
Bloom.
Não que "termos históricos" represente muito no universo bloomiano. Desde o primeiro capítulo
de seu primeiro livro, de 1959, sobre o poeta romântico inglês Shelley, o crítico já sinalizou uma de
suas linhas mestras. Mais do que
analisar os "ismos", os contextos
históricos e seus reflexos literários, é nos "selfs", nas personalidades de cada autor, que ele gosta
de jogar o holofote.
"O conceito de gênio, criado na
antiguidade latina, foi totalmente
jogado de lado nos século 20, my
dear", diz -ele começa ou termina 50% das frases usando este
"meu querido".
"A crítica literária tem se dedicado a rejeitar todas as individualidades e a falar sempre em forças
históricas", continua Bloom. "É
reflexo do que chamo de doenças
francesas", brinca, em referência
a teorias como o estruturalismo e
a semiótica.
Mas é só dar essa "mordida",
que ele estende aos marxistas, feministas etc. (alvos de trabalhos
anteriores), que vem o assopro:
"A última coisa que quero é brigar". E Bloom foi um brigão literário e tanto.
Ele diz que está cansado, com a
saúde frágil e que só pensa em terminar de escrever "Reaching
Wisdom" (Atingindo a Sabedoria), "uma reflexão pessoal sobre
a utilidade da literatura para a
própria vida". "Depois disso chega, acabou para mim."
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