São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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BIA ABRAMO

Leitura como sonho


"Tudo o que É Sólido Pode Derreter" é uma das melhores estreias na TV aberta no ano

DE BOAS intenções didáticas, o caminho da má dramaturgia está cheio. Quando a gente ouve dizer que vai estrear uma série, destinada a adolescentes, que tem como fio condutor obras da literatura brasileira e portuguesa do repertório do ensino médio (e, portanto, do vestibular), é natural que se desconfie que aí vem bomba. Já imaginamos aquelas adaptações canhestras que acabam servindo como substitutos preguiçosos à leitura dos livros (ou ilustram os famigerados resumos), ou as tentativas mais ou menos ridículas de atualizar obras literárias, em linguagem e trilha sonora pretensamente modernas, para torná-las mais palatáveis aos leitores renitentes.
Mas quando vemos que a série vai ser dirigida pelos caras que fizeram um dos grandes hits brasileiros do YouTube, o "Tapa na Pantera", podemos desconfiar que daí vem coisa melhor. E bem melhor: "Tudo o que É Sólido Pode Derreter", da dupla Rafael Gomes e Esmir Filho, até agora, é das melhores estreias em TV aberta do ano.
O grande trunfo de "Tudo..." é que seus criadores desviaram inteligentemente do típico -outra das pragas que acometem produções para jovens é aquela em que, para representar, uma faixa etária fosse obrigatório buscar a média estatística e não as singularidades. A protagonista Thereza, por exemplo, é uma menina de classe média, mãe psicóloga, pai lojista, mas para por aí a possibilidade de enquadrá-la numa categoria sociológica (ou, pior, publicitária). Estuda numa escola pública decente, gosta de ler, enfrenta seus conflitos com uma certa serenidade e muito espírito investigativo, tem amigas legais, outras, nem tanto. Por ora, ela não está envolvida com "as" grandes questões dramáticas da adolescência, daquelas que alarmam os pais e dão chamada de capa em revista teen, mas com perguntas existenciais mais sutis -Quero que alguém me diga o que fazer? Sou do bem ou sou do mal? Devo tentar fugir de mim mesma ou ficar e enfrentar?- e de respostas menos prontas.
A cada episódio, entra, como matéria de sonho e elemento, ora perturbador, ora esclarecedor, algo do livro que a classe está lendo na aula de literatura. Pode ser uma frase, uma situação, um personagem, um tema -será determinado pela sensibilidade e inteligência dessa excelente personagem que é Thereza, para quem a leitura é natural e intimamente imbricada com a vida.
A série, exibida pela TV Cultura às sextas, às 19h30, já vai pelo seu quinto episódio, mas estão todos disponíveis, na íntegra, no site.

biabramo.tv@uol.com.br


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