São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Morre Augusto Boal, 78, criador do teatro do oprimido

Dramaturgo, que lutava contra leucemia, estava internado desde terça no Rio; corpo será cremado hoje à tarde

Metodologia criada por Boal conjugava teatro e ação social; em março, diretor foi nomeado embaixador do teatro pela Unesco


DA SUCURSAL DO RIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu na madrugada de ontem, aos 78 anos, no Rio, o teórico, diretor e dramaturgo Augusto Boal, expoente do teatro de resistência à ditadura no Brasil. Ele teve insuficiência respiratória, complicação decorrente de uma leucemia.
Boal estava internado desde terça-feira com infecção nas vias respiratórias, segundo o Hospital Samaritano. Lutava contra a leucemia "havia vários anos", de acordo com seu filho Julian. O corpo será cremado no fim da tarde de hoje, no Cemitério São Francisco Xavier.
O diretor tornou-se mundialmente conhecido pelo teatro do oprimido, metodologia criada por ele em 1972 que conjuga teatro e ação social.
Em 25 de março deste ano, em Paris, ele foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Na ocasião, encerrou seu discurso assim: "Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!".
Nascido em 1931, no Rio, Boal formou-se químico aos 21 anos, mas, aos 24, decidiu cursar teatro na Universidade Columbia (EUA). Um ano depois, em 1956, estreou como diretor no Teatro de Arena, em São Paulo, com a peça "Ratos e Homens", de John Steinbeck.
Em 57, criou seu primeiro texto, a comédia "Marido Magro, Mulher Chata". Dois anos mais tarde, o sucesso de "Chapetuba Futebol Clube", com direção dele, confirmou o acerto da decisão do Arena de investir em dramaturgia nacional.

Parceria com o Oficina
No começo dos anos 60, Boal foi um dos articuladores de um intercâmbio entre os grupos Arena e Oficina, que gerou espetáculos como "A Engrenagem" e "José, do Parto à Sepultura". Diretor deste último, Antônio Abujamra disse ontem que Boal "era a demonstração de que um diretor de teatro é um bicho social que tem de atuar com uma visão crítica".
A partir de 62, ainda no Arena, esteve à frente de um movimento de nacionalização de textos clássicos, que incluiu montagens de "A Mandrágora", de Maquiavel, e "Tartufo", de Molière. Pouco após o golpe de 64, dirigiu no Rio o show "Opinião", que reuniu artistas num gesto de resistência ao regime.
A partir daí, assinou musicais que recriavam biografias de personagens históricos, como "Arena Conta Zumbi" e "Arena Conta Tiradentes". Nessa série, criou o chamado "sistema coringa", em que atores se revezavam nos papéis.
Entre 68 e 70, excursionou com o Arena por EUA, México e outros países. Em 1971, foi preso pelo regime militar, pelas ligações com o Partido Comunista do Brasil. Três meses depois, ao ser solto, foi para os EUA e, em seguida, para Argentina e Portugal.
Ali, começou a difundir o teatro do oprimido, em suas palavras, "uma metodologia transformadora que propõe o diálogo como meio de refletir e buscar alternativas para conflitos interpessoais e sociais".
No exílio, escreveu "Mulheres de Atenas" (adaptação de "Lisístrata", de Aristófanes), com letras de Chico Buarque, que ontem lembrou: "A gente se correspondia muito e disso resultou a canção "Meu Caro Amigo" (1976), parceria com Francis Hime, destinada a ele. Nos últimos tempos [...], deixamos de nos ver, mas a amizade se manteve".
Com a anistia, Boal retornou ao Brasil, em 1984. Em 1993, enveredou pela política: foi eleito vereador e usou as técnicas do teatro do oprimido para ouvir as queixas da população e elaborar projetos de lei.


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