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Morre Augusto Boal, 78, criador do teatro do oprimido
Dramaturgo, que lutava contra leucemia, estava internado desde terça no Rio; corpo será cremado hoje à tarde
Metodologia criada por Boal conjugava teatro e ação social; em março, diretor foi nomeado embaixador
do teatro pela Unesco
DA SUCURSAL DO RIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Morreu na madrugada de ontem, aos 78 anos, no Rio, o teórico, diretor e dramaturgo Augusto Boal, expoente do teatro
de resistência à ditadura no
Brasil. Ele teve insuficiência
respiratória, complicação decorrente de uma leucemia.
Boal estava internado desde
terça-feira com infecção nas
vias respiratórias, segundo o
Hospital Samaritano. Lutava
contra a leucemia "havia vários
anos", de acordo com seu filho
Julian. O corpo será cremado
no fim da tarde de hoje, no Cemitério São Francisco Xavier.
O diretor tornou-se mundialmente conhecido pelo teatro
do oprimido, metodologia criada por ele em 1972 que conjuga
teatro e ação social.
Em 25 de março deste ano,
em Paris, ele foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Na ocasião, encerrou seu discurso assim: "Atores
somos todos nós, e cidadão não
é aquele que vive em sociedade:
é aquele que a transforma!".
Nascido em 1931, no Rio,
Boal formou-se químico aos 21
anos, mas, aos 24, decidiu cursar teatro na Universidade Columbia (EUA). Um ano depois,
em 1956, estreou como diretor
no Teatro de Arena, em São
Paulo, com a peça "Ratos e Homens", de John Steinbeck.
Em 57, criou seu primeiro
texto, a comédia "Marido Magro, Mulher Chata". Dois anos
mais tarde, o sucesso de "Chapetuba Futebol Clube", com direção dele, confirmou o acerto
da decisão do Arena de investir
em dramaturgia nacional.
Parceria com o Oficina
No começo dos anos 60, Boal
foi um dos articuladores de um
intercâmbio entre os grupos
Arena e Oficina, que gerou espetáculos como "A Engrenagem" e "José, do Parto à Sepultura". Diretor deste último, Antônio Abujamra disse ontem
que Boal "era a demonstração
de que um diretor de teatro é
um bicho social que tem de
atuar com uma visão crítica".
A partir de 62, ainda no Arena, esteve à frente de um movimento de nacionalização de
textos clássicos, que incluiu
montagens de "A Mandrágora",
de Maquiavel, e "Tartufo", de
Molière. Pouco após o golpe de
64, dirigiu no Rio o show "Opinião", que reuniu artistas num
gesto de resistência ao regime.
A partir daí, assinou musicais
que recriavam biografias de
personagens históricos, como
"Arena Conta Zumbi" e "Arena
Conta Tiradentes". Nessa série,
criou o chamado "sistema coringa", em que atores se revezavam nos papéis.
Entre 68 e 70, excursionou
com o Arena por EUA, México e
outros países. Em 1971, foi preso pelo regime militar, pelas ligações com o Partido Comunista do Brasil. Três meses depois,
ao ser solto, foi para os EUA e,
em seguida, para Argentina e
Portugal.
Ali, começou a difundir o teatro do oprimido, em suas palavras, "uma metodologia transformadora que propõe o diálogo como meio de refletir e buscar alternativas para conflitos
interpessoais e sociais".
No exílio, escreveu "Mulheres de Atenas" (adaptação de
"Lisístrata", de Aristófanes),
com letras de Chico Buarque,
que ontem lembrou: "A gente
se correspondia muito e disso
resultou a canção "Meu Caro
Amigo" (1976), parceria com
Francis Hime, destinada a ele.
Nos últimos tempos [...], deixamos de nos ver, mas a amizade
se manteve".
Com a anistia, Boal retornou
ao Brasil, em 1984. Em 1993,
enveredou pela política: foi
eleito vereador e usou as técnicas do teatro do oprimido para
ouvir as queixas da população e
elaborar projetos de lei.
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