São Paulo, sábado, 03 de junho de 2000


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Peça de Plínio Marcos é encenada em teatro de SP que exibe show de striptease e sexo explícito
Boca-do-lixo devora "Dois Perdidos numa Noite Suja'

Rogério Albuquerque/Folha Imagem
Pereira e Daniela no ensaio de "Dois Perdidos numa Noite Suja"


Montagem emblemática de "Dois Perdidos" vai cumprir temporada em reduto de striptease
Teatro pornô de SP recebe Plínio Marcos


Dois jovens atores e um diretor desconhecidos radicalizam na busca de espaço alternativo


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A boca-do-lixo paulistana finalmente chega a Plínio Marcos (1935-1999), ele que sempre foi à boca-do-lixo. "Dois Perdidos numa Noite Suja", a peça mais encenada do autor, ganha montagem emblemática em São Paulo: a partir de hoje, nas noites de sexta e sábado, ela ocupa o palco do teatro Orion, reduto de shows de striptease e sexo explícito ao vivo na rua Aurora, região central da cidade.
O autor "maldito" que retratou com crueza e humanidade o cotidiano de prostitutas, travestis, cafetões e marginais, esses funâmbulos da vida, é celebrado no espaço em que sua dramaturgia encontrou terreno fértil.
A iniciativa partiu de dois atores desconhecidos e semiprofissionais, Guilherme Pereira, 23, e Lula Jorge, 24. Eles são moradores da região da avenida Paulista. O primeiro cursa o quinto ano de engenharia na Escola Politécnica da USP. O segundo já pegou o diploma na mesma instituição e hoje trabalha como analista de finanças num banco de investimentos.
Mas Pereira e Jorge dizem contrastar as convenções da classe média em favor da maior dedicação de ambos ao teatro. Nos últimos anos, acumularam experiências em grupos amadores e agora decidiram radicalizar na defesa de uma linguagem cênica eminentemente popular, como propagam.
Foram às ruas, conviveram com mendigos e prostitutas, estudaram trejeitos e atualizaram a miséria urbana de Tonho (Pereira) e Paco (Jorge), os "Dois Perdidos numa Noite Suja".
Foram mais longe: convidaram o diretor Jairo Maciel, 42, professor da escola Macunaíma, colega de Plínio, e decidiram levar o projeto para um espaço alternativo por excelência, o teatro Orion.
Neusa Sueli ("Navalha na Carne"), Dilma e Célia ("O Abajur Lilás"), as prostitutas de Plínio, estão configuradas ali em carne e osso. Após as performances individuais no palco, as dançarinas descem para a platéia e se deixam apalpar pelos espectadores. A maratona diária de striptease, das 13h às 23h30, é entremeada por casais que transam ao vivo.
O dono do espaço, Raimundo Nonato Lira, 32, quer atrair um novo público e "quebrar o preconceito" em relação às garotas. "Aqui é uma casa de show, não de prostituição", afirma. Elas não fazem programa completo lá dentro, mas a Folha apurou que algumas estendem o trabalho para as ruas, noite adentro.

Dançarinas ajudaram atriz a criar personagem da prostituta que diretor incluiu na peça

A rotina do Orion, pelo menos a noturna, foi alterada há um mês, quando começaram os ensaios de "Dois Perdidos numa Noite Suja.
Pereira, Jorge, Maciel e equipe montam o cenário no palco assim que o globo de luz pisca-pisca é desligado, e o clima de fantasia arrefece. No início, cerca de 15 bailarinas (são 40, somando os turnos do dia e da noite) acompanhavam os ensaios com frequência e foram fundamentais para a concepção do espetáculo.
A ponto de o diretor Maciel acrescentar mais uma personagem à história, a prostituta interpretada pela estudante de artes cênicas Daniela Sevieri, 18. O papel é uma "homenagem às meninas", segundo o ator Lula Jorge.
Daniela surge como flashes oníricos, recurso para as passagens de tempo no embate entre Paco e Tonho. Eles dividem o quarto fuleiro de uma pensão. Para sobreviver, fazem "bico" descarregando mercadoria de caminhões.
O conflito é provocado pelo desejo de Tonho de ter um par de sapatos novos. Ele acredita que só assim, com um "pisante" decente, conseguirá ascender socialmente. Seu colega de quarto aparece com um e estabelece uma relação torturante de poder perante o outro, culminando em desfecho trágico.
O diretor Jairo Maciel, que começou a fazer teatro em Santa Catarina e vive em São Paulo há mais de década, recorre à teoria da biomecânica, desenvolvida pelo teórico russo Vsevold Meyerhold (1874-1940), para fundamentar seu trabalho, que exige bastante fisicamente dos atores.


Peça: Dois Perdidos numa Noite Suja
Autor: Plínio Marcos
Diretor: Jairo Maciel
Trilha: Eduardo Poyares
Quando: pré-estréia hoje p/ convidados; sex. e sáb., à meia-noite. Até 12/8
Onde: teatro Orion (r. Aurora, 743, centro, tel. 0/xx/221-3948). Reservas pelo tel. 0/xx/11/9605-6974)


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