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CRÍTICA
Peça descobre lesbianismo na heroína adolescente Joana d'Arc
NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
N ão é de pequena expressão
a produção feminista no teatro brasileiro recente. Mas é mínima e pobre a teorização em torno
dela na academia, muito ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos EUA e França. Trazida
por Christiane Torloni, a autora
lésbica americana Carolyn Gage
pode ajudar a romper com tal
quadro.
"The Second Coming of Joan of
Arc", aqui com o estranhíssimo
título "Joana Dark - A Re-Volta",
é a história da jovem francesa do
século 15 que foi santa, heroína,
virgem, mas principalmente lésbica. O monólogo foi escrito a
partir dos autos do processo que
levou Joana d'Arc à fogueira e de
um segundo processo pouco depois -ambos já revistos em viés
semelhante na biografia escrita
por Vita Sackville-West, mais
lembrada por ter sido amante de
Virgina Woolf.
A trajetória da heroína adolescente é narrada e representada, do
início ao fim, num texto da tradição do "stand up", com humor
irônico e crítica engajada caminhando lado a lado. O texto não
deixa escapar uma frase à toa,
uma cena sem relação direta com
a reconstrução da personagem fora do enquadramento da história
"patriarcal".
Não é peça fácil para homens,
retratados como misóginos estupradores. Há várias passagens em
que Joana d'Arc fala unicamente
às mulheres da platéia, formando
uma comunidade antagônica aos
homens presentes. Na confederação de caminhos em que se desdobrou o feminismo (radical, liberal, materialista, socialista,
"écriture féminine", lésbico), Gage está naquele descrito como lésbico radical.
Em "Joana Dark", ataca de uma
só vez militares, pobres, ricos, ingleses e franceses, homens e mulheres, o povo, o Estado, a Igreja.
O texto é tão bem construído, nada ingênuo, jamais se deixando
cair em armadilhas de simplificação, que faz surgir uma Christiane
Torloni desconhecida no palco.
É difícil descrever a encenação
de José Possi Neto senão como
um luxuoso equívoco. Quatro
motos (!) correm pelo palco, em
guerra. Miniaturas de castelos são
os lados em conflito. Não se entende para quê tudo isso: as motos saem minutos depois, para
não voltar; os castelos ficam ali,
atrapalhando. Até o coro de cinco
atores não tem o que fazer em cena. A estrutura metálica central, a
cela, com impressionantes labaredas de fogo, já bastaria para o impacto visual.
E bastaria para a atuação de
Torloni, que é o que importa afinal, nesta "peça para uma mulher", subtítulo original. A atriz,
que já rendeu bem com Possi antes, volta a trabalhar a expressão
física nos limites exatos, mesclando sensualidade e fragilidade. O
que sobressai desta vez é sua mordacidade, sua impetuosidade, seu
pronto raciocínio, estimulados
por Carolyn Gage. Fora um escorregão melodramático no final, é
uma ótima interpretação.
Peça: Joana Dark - A Re-Volta
Direção: José Possi Neto
Quando: sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, tel.
0/xx/11/3662-1992)
Quanto: R$ 10 a R$ 30
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