São Paulo, sábado, 03 de junho de 2000


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CRÍTICA
Peça descobre lesbianismo na heroína adolescente Joana d'Arc

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

N ão é de pequena expressão a produção feminista no teatro brasileiro recente. Mas é mínima e pobre a teorização em torno dela na academia, muito ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos EUA e França. Trazida por Christiane Torloni, a autora lésbica americana Carolyn Gage pode ajudar a romper com tal quadro.
"The Second Coming of Joan of Arc", aqui com o estranhíssimo título "Joana Dark - A Re-Volta", é a história da jovem francesa do século 15 que foi santa, heroína, virgem, mas principalmente lésbica. O monólogo foi escrito a partir dos autos do processo que levou Joana d'Arc à fogueira e de um segundo processo pouco depois -ambos já revistos em viés semelhante na biografia escrita por Vita Sackville-West, mais lembrada por ter sido amante de Virgina Woolf.
A trajetória da heroína adolescente é narrada e representada, do início ao fim, num texto da tradição do "stand up", com humor irônico e crítica engajada caminhando lado a lado. O texto não deixa escapar uma frase à toa, uma cena sem relação direta com a reconstrução da personagem fora do enquadramento da história "patriarcal".
Não é peça fácil para homens, retratados como misóginos estupradores. Há várias passagens em que Joana d'Arc fala unicamente às mulheres da platéia, formando uma comunidade antagônica aos homens presentes. Na confederação de caminhos em que se desdobrou o feminismo (radical, liberal, materialista, socialista, "écriture féminine", lésbico), Gage está naquele descrito como lésbico radical.
Em "Joana Dark", ataca de uma só vez militares, pobres, ricos, ingleses e franceses, homens e mulheres, o povo, o Estado, a Igreja. O texto é tão bem construído, nada ingênuo, jamais se deixando cair em armadilhas de simplificação, que faz surgir uma Christiane Torloni desconhecida no palco.
É difícil descrever a encenação de José Possi Neto senão como um luxuoso equívoco. Quatro motos (!) correm pelo palco, em guerra. Miniaturas de castelos são os lados em conflito. Não se entende para quê tudo isso: as motos saem minutos depois, para não voltar; os castelos ficam ali, atrapalhando. Até o coro de cinco atores não tem o que fazer em cena. A estrutura metálica central, a cela, com impressionantes labaredas de fogo, já bastaria para o impacto visual.
E bastaria para a atuação de Torloni, que é o que importa afinal, nesta "peça para uma mulher", subtítulo original. A atriz, que já rendeu bem com Possi antes, volta a trabalhar a expressão física nos limites exatos, mesclando sensualidade e fragilidade. O que sobressai desta vez é sua mordacidade, sua impetuosidade, seu pronto raciocínio, estimulados por Carolyn Gage. Fora um escorregão melodramático no final, é uma ótima interpretação.


Peça: Joana Dark - A Re-Volta    
Direção: José Possi Neto
Quando: sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, tel. 0/xx/11/3662-1992) Quanto: R$ 10 a R$ 30




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