|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Aderbal Freire-Filho põe em cena obra de Dinis Machado que sai em julho
"Molero" introduz autor antes do livro
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Eis o caso peculiar do livro que
chega antes ao palco, mas ainda
depende de um papel.
O português Dinis Machado, 74,
jamais publicado no Brasil, diz experimentar um "renascimento"
do romance que o revelou, "O que
Diz Molero" (1977).
A montagem do encenador carioca Aderbal Freire-Filho, 63, foi
premiada no Rio (melhor diretor
e ator, Orã Figueiredo, segundo o
Shell 2003) e estréia hoje no teatro
Sesc Anchieta, em São Paulo. O livro foi recém-traduzido na França (já chegou a outros países da
Europa) e, após 27 anos, deve finalmente ganhar edição brasileira
em julho, pela José Olympio.
"O único leitor certo que tinha
aí no Brasil era o Aderbal", brinca
o autor ao telefone. Convidado a
assistir ao espetáculo, o Machado
dos portugueses alegou problemas de saúde, herança dos 60
anos do tabaco que lhe "arrebentou os pulmões".
Seu último romance é "Reduto
Quase Final" (1989), "um ajuste
de contas com a literatura". Nele,
a escrita praticamente torna-se
personagem na "tentativa de fixar
um número de memórias particularmente expressivas em mim".
Esse lisboeta escreveu durante
20 anos para jornal. "Estava a fazer aquilo que chamo de aprendizagem da minha própria escrita.
Pode parecer estranho, mas era
uma espécie de autocurso."
Cobriu esportes, fez crítica de
cinema, mas tomou gosto por romances policiais. Em 1968, lançou
três de uma só vez, sob o pseudônimo Dennis McShade: "Mão Direita do Diabo", "Réquiem para
D. Quixote" e "Mulher e Arma
com Guitarra Espanhola".
Já o temporão "O que Diz Molero" veio à luz nove anos depois,
quando Machado surpreendeu
com o fluxo desenfreado de episódios sobre a vida de, simplesmente, Rapaz (Chico Díaz).
Em exercício ficcional que funde comédia, tragédia, poesia e outros estados alterados da literatura, dois misteriosos investigadores, Austin (Cláudio Mendes) e
Mister DeLuxe (Gillray Coutinho), fazem a reconstituição
apoiando-se em relatório de um
terceiro agente, Molero (oculto).
Trata-se de longo passeio pela
Lisboa dos anos 30, com pinceladas autobiográficas, pêndulo de
usufruto e desvãos da existência.
As relações do personagem levam
ao amor, à solidão, ao sofrimento,
à procura, à espera, ao humor, ao
cinema, à poesia etc.
Ele cruza tipos como "la petit
Mireille", candidata ao elenco da
Comédie Française; Leduc, o ginasta que treinou a vida inteira
para fazer um "cristo" perfeito e
acaba numa cadeira de rodas; a
turma dos adolescentes azougados: Zuca, Descoiso, Peida Gadocha, Tozé Gaguinhas, Bertinho
Ranhoso; enfim, segue por aí a
centena de citações que atravessam cerca de quatro horas de espetáculo, com dois intervalos de
dez minutos cada um.
A jornada desse anti-herói é afetiva e geográfica. "Como uma
meia "Volta ao Mundo em 80
Dias", do Julio Verne", ilustra Machado, dono de imaginário afeito
ao realismo fantástico latino-americano (seu penúltimo romance, "O Discurso de Alfredo
Marceneiro a Gabriel García Márquez", de 1984, entrelaça um cantor popular da infância e o escritor colombiano), mas com pés
fincados no continente europeu e
tampouco filiado a uma escola.
Para Freire-Filho, "O que Diz
Molero" é um romance-em-cena,
"gênero" que cunhou pela primeira vez em "A Mulher Carioca
aos 22 Anos", de 14 anos atrás,
com o grupo Centro de Demolição e Construção Espetáculo,
quando levou ao palco a desconhecida obra homônima de João
de Minas, pseudônimo do jornalista Ariosto Palombo.
"Não teria feito o novo espetáculo se não existisse o outro", resume o encenador. A idéia é colocar o romance no palco sem adaptação direta, na qual o intérprete
fala na primeira e terceira pessoas,
interpondo ação e narração.
"Não renuncio à cena, ao contrário, compartilho infinitas possibilidades com o público", diz
Freire-Filho. Espera que o espectador tenha acesso à chave do
quadro de ilusão e que o ator se
aproprie do distanciamento com
"sua fantasia consciente".
A cenografia é do também português José Manuel Castanheira.
O QUE DIZ MOLERO. De: Dinis Machado.
Direção: Aderbal Freire-Filho. Com:
Augusto Madeira, Raquel Iantas e outros.
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova,
245, tel. 0/xx/11/3234-3000). Quando:
estréia hoje, para convidados; a
temporada abre amanhã; sex., às 21h;
sáb., às 20h; dom., às 19h. Quanto: R$ 20.
Até 1º/8. Patrocinador: BrasilTelecom.
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Performance: Argentinos levam público a giro no céu Índice
|