São Paulo, quinta, 3 de julho de 1997.



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CINEMA
Escândalo de Gainsbourg volta às telas

Divulgação
Cena do filme "Paixão Selvagem", de 1975, o primeiro dirigido pelo músico e ator francês Serge Gainsbourg e que será relançado no Brasil amanhã


CÁSSIO STARLING CARLOS
Editor-adjunto de Especiais

Escândalo. Essa palavra que hoje parece inatingível foi o alvo de toda a vida do francês Serge Gainsbourg (1928-1991). A prova de que alcançou seu objetivo pode ser conferida com o relançamento, amanhã, do primeiro filme de Gainsbourg, o hoje clássico "Je T'Aime, Moi Non Plus" ("Paixão Selvagem", no Brasil).
Artista multimídia bem antes de a expressão ter sido inventada, Gainsbourg praticou seus talentos em quase todas as áreas. Tentou ser pintor, passou a pianista de cabaré na Paris dos anos 50, foi ator e dirigiu filmes e videoclipes. Mas foi como compositor que ascendeu à condição de ídolo.
Atravessou os anos 60 tendo suas criações musicais entre as mais disputadas por uma legião de musas da canção: Juliette Greco, Mireille Darc, Françoise Hardy, Petula Clark, Dalida, Marianne Faithfull, estrelas que algumas gerações ainda guardam na memória.
A França tinha De Gaulle no poder, e as iniciais BB (da então deusa Brigitte Bardot), no coração. Gainsbourg, como não podia deixar de ser, também cobiçava BB.
Hábil no quesito marketing pessoal, Gainsbourg colecionava as mais belas mulheres -e fazia alarde incessante de suas conquistas. Não tinha pudor para poupar BB.
Do caso com Bardot, restou uma canção -"Je T'Aime, Moi Non Plus" (Eu Te Amo, Eu Também Não)-, na qual o casal reproduz em detalhes uma relação sexual, com ênfase nos gemidos.
Mas, antes de a música vir a público, Bardot, que já trocara Gainsbourg pelo milionário Gunter Sachs, vetou sua divulgação. Azar dela.
Logo depois, em Londres, Gainsbourg conheceu e se apaixonou por uma jovem atriz inglesa, Jane Birkin. E, em 69, registra novamente a canção, um tom acima do calor obtido junto a BB entre as quatro paredes do estúdio.
O período vivia o auge das fórmulas libertárias, e a canção virou hino de uma juventude que proclamava "o gozo sem limites". Só na França, o disco vendeu 6,5 milhões de cópias e disputou com os Beatles os primeiros lugares nas paradas britânicas.
Sentinelas da moral logo se irritaram. No Brasil, a música foi proibida pelo regime militar. O Vaticano a condenou sob a acusação de "incitar a volúpia".
Três décadas depois, a canção já poderia ter sido registrada no "Guinness" como a mais executada nos bas-fonds de todo o mundo. Qualquer show de striptease que não conte com um número embalado por "Je T'Aime..." parecerá, a seus espectadores, um espetáculo encenado por freiras.
E Gainsbourg coleciona parcerias cobiçadas, mesmo depois de morto. Em 94, a olímpica Catherine Deneuve gravou um cover de "Je T'Aime...", e, no Brasil, a não menos deusa Vera Fischer acaba de registrar uma versão em português que certamente se transformará em item de colecionador (leia texto nesta página).
Ambiguidades
Apesar de difundir incessantemente uma imagem pública de fauno erótico, Gainsbourg não escondia opiniões avessas. Em versos como "Este tédio mortal/ que me acomete/ quando estou contigo" ou em canções como "Seja Bonita e Fique de Boca Fechada" e "As Mulheres Nos Fazem Virar Bichas", nunca escondeu sua misoginia.
A duplicidade também cercava suas elegias ao desejo homossexual -tema central de "Paixão Selvagem" e também de músicas como "Kiss Me Hardy", na qual canta: "De um quadro de Francis Bacon/ eu saí/ para transar com outro homem/ que me diz/ kiss me hardy".
Banido, perseguido e proibido em sua época, Gainsbourg anuncia sua vingança. Em regravações, tributos -como as versões em inglês de suas canções feitas por Mick Harvey, dos Bad Seeds, banda do cantor Nick Cave- e samples -Beck e MC Solaar "roubaram" trechos de suas músicas-, Gainsbourg vai deixando de ser fantasma e retorna como gostaria, como referência pop.



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