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FOTOGRAFIA
Artista português expõe 118 trabalhos feitos entre 1949 e 1952
Fernando Lemos sai da sombra sem rancor
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda bem que o pintor, fotógrafo, designer gráfico e poeta
Fernando Lemos, 78, não sofre
dos males do rancor que acomete
artistas caídos no esquecimento.
As 118 fotos que expõe a partir
de hoje na Pinacoteca foram mostradas em 1953 em São Paulo e no
Rio e caíram no buraco negro (na
Europa, foram redescobertas em
1992 em Paris e já passaram por
Lisboa, Madri e Hamburgo). Sem
rancor fica mais fácil notar o enigma, a experimentação e a capacidade de assustar que as imagens
preservam.
O primeiro susto é saber que só
fotografou por quatro anos, entre
1949 e 1952, em Portugal, onde
nasceu. "Não gosto de andar com
essas tralhas nas costas", conta.
Àquela época, só havia por lá ou
a fotografia social ou a lírica. Lemos inventou-se de modo diferente porque, até vir para o Brasil
em 1952, integrava um grupo surrealista português. A sua fotografia pegou um atalho literário: absorveu técnicas da escrita automática do surrealismo, que tentava suspender o juízo para permitir que o inconsciente aflorasse,
sobretudo na junção aparentemente díspar de imagens.
Paulo Herkenhoff, diretor do
Museu Nacional de Belas Artes e
ex-curador da Bienal Internacional de São Paulo, frisa o jogo proposto pelas fotos de Lemos no
texto que escreveu para o catálogo
da exposição: "A invenção de
uma lógica de justaposições na fotografia de Lemos leva o olho a vaguear, já sem poder escapar da alteração, invenção, ampliação e
superação dos jogos do código".
Quem vê as técnicas de montagem empregadas por Lemos pode
pensar que ele conhecia bem Man
Ray (1890-1976), que se tornou sinônimo do surrealismo fotográfico. Ledo engano. Encontrou-se
uma única vez com ele, no ateliê
parisiense da pintora Maria Helena Vieira da Silva (1908-1922).
Lemos diz que, "se tivesse que
falar de influências", preferiria citar o pintor surrealista de origem
alemã Max Ernst (1891-1976), o cinema expressionista alemão e, sobretudo, o francês Marcel Duchamp (1887-1968).
Para ele, a tela "Nu Descendo a
Escada", de Duchamp, "explica
tudo" o que buscava na fotografia:
"Eu desmembrava o movimento
não usando os movimentos de
uma pessoa correndo, mas com o
próprio movimento da fotografia,
com a matéria da qual é feita a
obra. Se não, você fotografa pôr-do-sol, o que não me interessa".
Suas imagens são construídas
com uma técnica que parece vinda do desenho e da pintura, seus
interesses iniciais, aos quais voltaria a se dedicar no Brasil, com os
quais ganhou dois prêmios em
Bienais. Ele isolava uma parte do
negativo, fazia uma foto e depois
adicionava uma segunda imagem
sobre a parte que reservara.
De superposição, ele tem alergia
pelo que tem de aleatório: "Acho
uma baixaria. É só pôr um negativo em cima do outro", desdenha.
Do surrealismo, mais do que
técnica, herdou um certo espírito
de colocar o mundo real em suspensão. "As fotos têm um estranhamento do qual você diz: "Não
sei se existe, mas está lá"", diz.
O escritor José Saramago, amigo de Lemos, foi por um caminho
parecido ao tentar definir suas
imagens numa conversa com ele
há três anos: "Se tivesse de falar alguma coisa, falaria em aparição".
Essa idéia de aparição transpassa quase todos os retratos que Lemos fez dos amigos portugueses
da época, como os pintores Arpad
Szenes e Vieira da Silva, o poeta
Alexandre O'Neil e o escritor Jorge de Sena. Essa plêiade de amigos, um prêmio na 5ª Bienal, uma
sala especial de pinturas na 7ª e fotos elogiadas por Régis Durand,
ex-diretor do Centro Internacional de Fotografia em Paris, não
são garantia de quase nada para
Lemos no Brasil. Ele atribui o esquecimento ao seu estrangeirismo -"sou estrangeiro aqui e em
Portugal, de onde saí jovem".
Pesou também, acredita, o fato
de não pertencer a grupos. Os
concretos o estranhavam por circular sem culpa pelo figurativo e
pelo abstrato nos anos 50, quando
era sinal de atraso adotar o realismo. Ele tentou voltar para Portugal em 1974, quando comunistas e
socialistas chegaram ao poder
com a Revolução dos Cravos, mas
não suportou a "terrinha". "São
muito conservadores. O modo de
ver deles é o mesmo de sempre."
Basta olhar as fotos para entender sua incompatibilidade com
modos de ver que não mudam.
À SOMBRA DA LUZ - À LUZ DA
SOMBRA. Onde: Pinacoteca (pça. da
Luz, 2, tel. 0/xx/11/229-9844). Quando:
de hoje a 22/8; ter./dom., das 10h às 18h.
Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados).
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