São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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Infância em Omaha e carreira foram marcadas pelo alcoolismo dos pais

RYCK LYMAN
DO "NEW YORK TIMES"

As platéias mais jovens que ouviram falar de Marlon Brando como uma curiosidade nos tablóides, um alvo obeso de piadas para os programas de humor, talvez se surpreendam ao descobrir que ele foi uma presença revolucionária que cruzou o território da cultura popular americana como um relâmpago em forma humana.
Certamente um dos poucos atores cinematográficos duradouros nos EUA, ele foi também o mais imitado. Virtualmente todos os astros que surgiram no último meio século, de Paul Newman a Warren Beatty, de Robert de Niro a Leonardo DiCaprio, trazem em si um eco do tonitruante paradigma estabelecido por Brando.
Ele nasceu em 1924, em Omaha, Nebraska. Em "Songs My Mother Taught me" [Canções que Minha Mãe me Ensinou], sua autobiografia, de 1994, o ator descreve uma infância dolorosa. O pai era um alcoólatra abusivo, que aparentemente jamais encontrava nenhuma coisa boa para dizer sobre seu único filho homem. A mãe também era alcoólatra.
"Suponho que a história da minha vida seja uma busca por amor", disse Brando. "Mas, acima disso, sempre estive à procura de um modo de reparar os danos sofridos nos meus primeiros anos e de definir minha obrigação, se eu tivesse alguma, para comigo mesmo e para com a minha espécie."
A raiva reprimida do menino contra o pai era vista pelo ator e por muitos críticos como a fonte de inspiração para seus trabalhos.
Em 1935, os pais de Brando se separaram, e ele e as duas irmãs, Florence e Jocelyn, se mudaram com a mãe para a Califórnia. Dois anos mais tarde, se reconciliaram, e a família voltou a se mudar, para os subúrbios ao norte de Chicago.
Na adolescência, Brando encontrou seu caminho. Em 1943, seguiu para Nova York, onde se matriculou na Dramatic Workshop da New School for Social Research. Ele parecia compreender instintivamente o método, a maneira de usar as lembranças e emoções pessoais para encontrar momentos de verdade.
Fez sua estréia nos palcos na New School, interpretando Jesus em "Hannele", de Gerhart Hauptman, em 1944. Em 1946, trabalhou em peças até que um jovem diretor chamado Elia Kazan o recomendou para o papel de Stanley Kowalski em "Um Bonde Chamado Desejo". Em 1947, nesse papel, explodiu em cena.
A inspiração para o guarda-roupa que o consagrou -camisetas rasgadas, jeans apertados- veio de pedreiros que observava trabalhando num terreno ao lado do teatro, disse Lucinda Ballard, a responsável pelo figurino da peça.
Por três anos, ele rejeitou ofertas de Hollywood, até que terminou por aceitar o papel principal de "Espíritos Indômitos", atraído pelo personagem principal, um veterano de guerra mutilado.
Os figurões de Hollywood não entendiam exatamente de que maneira deveriam usar Brando. No começo dos anos 50, esperava-se que os astros de cinema fossem modelos de elegância. Brando usava camisetas e jeans em todo lugar. Foi visto muitas vezes dirigindo um conversível em Beverly Hills com uma flecha falsa atravessando-lhe a cabeça.
Brando não parecia se incomodar com o que Hollywood achava. "O único motivo para eu estar aqui é que não tenho a coragem moral de recusar o dinheiro."
Hollywood por fim terminou por aceitá-lo. Na cerimônia do Oscar, trocou gracejos com o apresentador da festa, Bob Hope, que fingiu lutar com ele pelo prêmio recém-conquistado. O momento parecia pressagiar glórias maiores, mas terminou por marcar o encerramento do período mais fértil de sua carreira.
Em 1961, tornou-se diretor pela primeira e última vez, além de estrelar o anti-western excêntrico "A Face Oculta". O sucesso deveria ter sido reconquistado com uma dispendiosa refilmagem de "O Grande Motim", mas em lugar disso se tornou o mais comentado desastre de bilheteria da era.
Brando dedicou o resto dos anos 60 a uma série de filmes desiguais e de impacto menor. "Brando é necessário?", perguntava a revista "Film Comment" em uma reportagem de capa em 1969.
Hollywood achava que não. Quando Francis Ford Coppola procurava um ator para interpretar Vito Corleone em sua adaptação de "O Poderoso Chefão", de Mario Puzo, em 1972, Brando não constava nos planos de ninguém.
A Paramount pensava em Burt Lancaster, Orson Welles, George C. Scott... Quando Coppola disse que queria Brando, o estúdio recusou, dizendo que o ator era encrenca e veneno nas bilheterias.
Coppola pediu, então, que ele se submetesse a um teste e, para seu espanto, Brando concordou. Coppola contou como preparou a filmagem discretamente pela manhã. O ator começou por ignorá-los, depois se sentou e começou a transformação em Don Corleone. Colocou algodão nas bochechas, penteou o cabelo para trás, adotou uma voz rouca.
Quando Coppola mostrou a transformação aos dirigentes, eles concordaram com ele para o papel -mas com salário de apenas US$ 250 mil, uma fração do que ganhava uma década antes.
Ele seguiu seu triunfo em "O Poderoso Chefão" com um de seus melhores trabalhos, no controvertido e erótico "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci. Muitos dos monólogos do ator no filme derivam de suas experiências de infância.
Mas ele não estava mais disposto a sofrer aquele prejuízo psíquico: ""Último Tango" exigiu muita pressão emocional", escreveu em sua autobiografia. "E, quando o trabalho estava completo, decidi que nunca mais me destruiria emocionalmente por um filme."
Assim, com seu súbito retorno ao sucesso, decidiu aproveitar e faturar o mais que pudesse. Costumava se vangloriar por ganhar tanto em trabalhos que lhe exigiam tão pouco, por exemplo ao receber US$ 4 milhões por três semanas de trabalho como o pai do Super-Homem, em 1978.
Em 2001, foi hospitalizado, com pneumonia, pouco antes de começar a fazer uma ponta em "Todo Mundo em Pânico 2", pela qual recebeu US$ 2 milhões.


Tradução Paulo Migliacci


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