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Infância em Omaha e carreira foram marcadas pelo alcoolismo dos pais
RYCK LYMAN
DO "NEW YORK TIMES"
As platéias mais jovens que ouviram falar de Marlon Brando como uma curiosidade nos tablóides, um alvo obeso de piadas para
os programas de humor, talvez se
surpreendam ao descobrir que ele
foi uma presença revolucionária
que cruzou o território da cultura
popular americana como um relâmpago em forma humana.
Certamente um dos poucos atores cinematográficos duradouros
nos EUA, ele foi também o mais
imitado. Virtualmente todos os
astros que surgiram no último
meio século, de Paul Newman a
Warren Beatty, de Robert de Niro
a Leonardo DiCaprio, trazem em
si um eco do tonitruante paradigma estabelecido por Brando.
Ele nasceu em 1924, em Omaha,
Nebraska. Em "Songs My Mother
Taught me" [Canções que Minha
Mãe me Ensinou], sua autobiografia, de 1994, o ator descreve
uma infância dolorosa. O pai era
um alcoólatra abusivo, que aparentemente jamais encontrava
nenhuma coisa boa para dizer sobre seu único filho homem. A
mãe também era alcoólatra.
"Suponho que a história da minha vida seja uma busca por
amor", disse Brando. "Mas, acima
disso, sempre estive à procura de
um modo de reparar os danos sofridos nos meus primeiros anos e
de definir minha obrigação, se eu
tivesse alguma, para comigo mesmo e para com a minha espécie."
A raiva reprimida do menino
contra o pai era vista pelo ator e
por muitos críticos como a fonte
de inspiração para seus trabalhos.
Em 1935, os pais de Brando se
separaram, e ele e as duas irmãs,
Florence e Jocelyn, se mudaram
com a mãe para a Califórnia. Dois
anos mais tarde, se reconciliaram,
e a família voltou a se mudar, para
os subúrbios ao norte de Chicago.
Na adolescência, Brando encontrou seu caminho. Em 1943,
seguiu para Nova York, onde se
matriculou na Dramatic Workshop da New School for Social Research. Ele parecia compreender
instintivamente o método, a maneira de usar as lembranças e
emoções pessoais para encontrar
momentos de verdade.
Fez sua estréia nos palcos na
New School, interpretando Jesus
em "Hannele", de Gerhart Hauptman, em 1944. Em 1946, trabalhou em peças até que um jovem
diretor chamado Elia Kazan o recomendou para o papel de
Stanley Kowalski em "Um Bonde
Chamado Desejo". Em 1947, nesse papel, explodiu em cena.
A inspiração para o guarda-roupa que o consagrou -camisetas
rasgadas, jeans apertados- veio
de pedreiros que observava trabalhando num terreno ao lado do
teatro, disse Lucinda Ballard, a
responsável pelo figurino da peça.
Por três anos, ele rejeitou ofertas
de Hollywood, até que terminou
por aceitar o papel principal de
"Espíritos Indômitos", atraído
pelo personagem principal, um
veterano de guerra mutilado.
Os figurões de Hollywood não
entendiam exatamente de que
maneira deveriam usar Brando.
No começo dos anos 50, esperava-se que os astros de cinema fossem modelos de elegância. Brando usava camisetas e jeans em todo lugar. Foi visto muitas vezes
dirigindo um conversível em Beverly Hills com uma flecha falsa
atravessando-lhe a cabeça.
Brando não parecia se incomodar com o que Hollywood achava.
"O único motivo para eu estar
aqui é que não tenho a coragem
moral de recusar o dinheiro."
Hollywood por fim terminou
por aceitá-lo. Na cerimônia do
Oscar, trocou gracejos com o
apresentador da festa, Bob Hope,
que fingiu lutar com ele pelo prêmio recém-conquistado. O momento parecia pressagiar glórias
maiores, mas terminou por marcar o encerramento do período
mais fértil de sua carreira.
Em 1961, tornou-se diretor pela
primeira e última vez, além de estrelar o anti-western excêntrico
"A Face Oculta". O sucesso deveria ter sido reconquistado com
uma dispendiosa refilmagem de
"O Grande Motim", mas em lugar
disso se tornou o mais comentado
desastre de bilheteria da era.
Brando dedicou o resto dos
anos 60 a uma série de filmes desiguais e de impacto menor. "Brando é necessário?", perguntava a
revista "Film Comment" em uma
reportagem de capa em 1969.
Hollywood achava que não.
Quando Francis Ford Coppola
procurava um ator para interpretar Vito Corleone em sua adaptação de "O Poderoso Chefão", de
Mario Puzo, em 1972, Brando não
constava nos planos de ninguém.
A Paramount pensava em Burt
Lancaster, Orson Welles, George
C. Scott... Quando Coppola disse
que queria Brando, o estúdio recusou, dizendo que o ator era encrenca e veneno nas bilheterias.
Coppola pediu, então, que ele se
submetesse a um teste e, para seu
espanto, Brando concordou.
Coppola contou como preparou a
filmagem discretamente pela manhã. O ator começou por ignorá-los, depois se sentou e começou a
transformação em Don Corleone.
Colocou algodão nas bochechas,
penteou o cabelo para trás, adotou uma voz rouca.
Quando Coppola mostrou a
transformação aos dirigentes, eles
concordaram com ele para o papel -mas com salário de apenas
US$ 250 mil, uma fração do que
ganhava uma década antes.
Ele seguiu seu triunfo em "O
Poderoso Chefão" com um de
seus melhores trabalhos, no controvertido e erótico "O Último
Tango em Paris", de Bernardo
Bertolucci. Muitos dos monólogos do ator no filme derivam de
suas experiências de infância.
Mas ele não estava mais disposto a sofrer aquele prejuízo psíquico: ""Último Tango" exigiu muita
pressão emocional", escreveu em
sua autobiografia. "E, quando o
trabalho estava completo, decidi
que nunca mais me destruiria
emocionalmente por um filme."
Assim, com seu súbito retorno
ao sucesso, decidiu aproveitar e
faturar o mais que pudesse. Costumava se vangloriar por ganhar
tanto em trabalhos que lhe exigiam tão pouco, por exemplo ao
receber US$ 4 milhões por três semanas de trabalho como o pai do
Super-Homem, em 1978.
Em 2001, foi hospitalizado, com
pneumonia, pouco antes de começar a fazer uma ponta em "Todo Mundo em Pânico 2", pela
qual recebeu US$ 2 milhões.
Tradução Paulo Migliacci
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