São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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CRÍTICA BIOGRAFIA

Livro sobre Mahler idealiza vida do músico

Autor se perde na exaltação caricata do artista e falha na tarefa de traçar um guia para a escuta de sua obra

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Segundo Carl Dahlhaus, a combinação de "estilo elevado" e "trivialidade" -característica das sinfonias de Gustav Mahler (1860-1911)- foi interpretada de diferentes maneiras ao longo de sua vida e nas décadas seguintes à sua morte.
Primeiro, com um enfoque polêmico, pela discrepância entre intenção e realização.
Segundo, com um enfoque apologético, definido como a indiferença da substância temática ante a função formal que cumpre.
Por fim, caberia decidir se as obras do poderoso diretor da Ópera de Viena poderiam ser comparadas às de um compositor "profissional" (como Bruckner).
Não é de estranhar, portanto, que seus admiradores procurassem, desde o início, enfatizar detalhes de elaboração em detrimento dos efeitos grandiosos e das associações biográficas lineares.
O compositor Arnold Schoenberg (1874-1951), por exemplo, analisa o tema do "Andante" da "Sinfonia n.6" para mostrar como ele resulta de uma ampliação minuciosa sobre um padrão clássico de oito compassos.
Nesse sentido, o livro "Gustav Mahler: um Coração Angustiado" ("abrumado", no original) escrito por Arnoldo Liberman, médico e ensaísta argentino radicado na Espanha, caminha na contramão, ao propor mais uma biografia idealizada.
Publicado originalmente em 1982, tem tradução para o português quando se celebram os 150 anos de nascimento do compositor. Dividido em quatro capítulos (ou "movimentos"), alterna comentários pessoais ("Há um sentido cósmico na música desse homenzinho que não tem outro destinatário senão meu próprio peito") com interpolações arbitrárias ("Ocasionalmente pensei que o Absoluto, qualquer que fosse sua vestimenta, é o comunismo dos lúcidos").
A narrativa parte do momento em que o compositor escreve a "Oitava Sinfonia" (época da crise conjugal e do encontro com Freud), volta ao período áureo na Ópera de Viena, atinge a infância (e o início da carreira) e, enfim, descreve as fases finais.
Subjugado pela música de Mahler, o autor permanece entre a biografia incerta e a exaltação caricata.
Talvez o melhor capítulo seja o segundo, que traz um relato do antissemitismo subjacente à "capa açucarada" que cobria Viena na virada do século 19 para o 20.
Diante de outros volumes brasileiros, como os livros de Marc Vignal e Michael Kennedy, nem ao menos tenta funcionar como guia para a escuta -coisa tão urgente hoje como há cem anos.


GUSTAV MAHLER: UM CORAÇÃO ANGUSTIADO

AUTOR Arnoldo Liberman
LANÇAMENTO Autêntica
QUANTO R$ 42 (160 págs.)
AVALIAÇÃO ruim



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